Cortina de Fumaça, de Rodrigo MacNiven (Brasil, 2010)
por Filipe Furtado

Política de slogans

O contraste entre a voz off inicial, na qual o diretor Rodrigo MacNiven apresenta o ponto de partida sobre a sua investigação e o filme que se segue diz muito sobre o limite deste documentário sobre a legalização das drogas. MacNiven anuncia uma investigação, um mergulho pessoal sobre um tema recheado de dúvidas; Cortina de Fumaça, porém, é um filme quase sem perguntas – mas cheio de respostas, e já na sua primeira cena após a introdução apresenta a sua tese e depois a reitera a cada entrevista posterior.

Documentários que se propõem exclusivamente a expor uma tese têm seus limites claros, a começar por uma tendência a falarem exclusivamente com quem já concorda a priori com eles, mas o maior problema de Cortina de Fumaça não é exatamente ser um filme de tese, mas sim sua completa falta de controle e tato – que já se explicita no contraste entre off de apresentação e o filme de tese posterior. Há dois problemas muito graves que minam a possibilidade do filme se comunicar com mais força: primeiro, uma falta completa de disciplina que faz com que o filme com freqüência perca seu foco em função de digressões por figuras e locais que encantaram o diretor, a despeito de a inclusão delas no filme nada acrescentar para o projeto como um todo – pensemos por exemplo na longa seqüência da convenção da maconha. O outro, é a tendência constante de reiterar seus mesmos conceitos em eco, numa tentativa um tanto desesperada de que o acúmulo de especialistas reforce suas idéias. O ataque a certas idéias do senso comum que o filme promove é louvável mas, por exemplo, quando Nilo Batista ataca a idéia da co-relação entre usuário de drogas e crimes violentos, ele não precisa do apoio extra que na verdade termina enfraquecendo o próprio discurso no lugar de reforçá-lo.

Esta falta de controle resulta num filme que nunca faz mais que tatear sua questão. Para um longa metragem com uma tese clara sobre o seu tema, Cortina de Fumaça é surpreendentemente desprovido de especificidade. Para poder reiterar suas cartelas de PowerPoint diversas vezes, MacNiven passa por cima de se aprofundar sobre personagens e idéias que encontra. Pensemos por exemplo no pesquisador inglês que perde o cargo público por conta dos resultados da sua pesquisa: as seqüências com ele funcionam muito bem junto a uma parcela dos espectadores, mas se o cineasta gastasse 2 ou 3 minutos na pesquisa em si, e sua metodologia, provavelmente seria bem mais convincente junto ao resto dos espectadores. A política de Cortina de Fumaça é a do slogan; a tese está lá na tela em frases picotadas e cartelas de efeito, mas falta um olhar capaz de organizá-las num filme capaz de extrair dali alguma força. 

Janeiro de 2011

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