Curitiba
Zero Grau, de Eloi Pires Ferreira (Brasil, 2010)
por Filipe Furtado
Perdido
no tempo
Curitiba Zero Grau
é um filme básico. Desde as suas seqüências iniciais, não nos
esconde a simplicidade dos seus interesses: apresentar-nos uma
série de histórias simples da vida curitibana, com ênfase nas
dificuldades financeiras enfrentadas pelos seus protagonistas,
membros dos mais diversos extratos sociais. A única “invenção”
de Elói Pires Ferreira é fazer com que cada história seja narrada
pelo protagonista da história seguinte. Logo, temos ali o dono
da revendedora de carros que precisa levantar dinheiro para subornar
um policial; o motoboy recém-abandonado pela esposa; o motorista
de ônibus boa praça que decide ajudar uma família catarinense
a encontrar um parente; o catador de lixo que precisa levantar
dinheiro para comprar remédio para a filha, etc. Cada um destes
personagens segue o arco dramático que esperamos deles, as histórias
se comentam como imaginamos, as ironias surgem nos pontos exatos
– em suma nada em Curitiba Zero Grau
foge do seu lugar. É um filme que traça seus objetivos e os segue
com sólida monotonia.
O problema é que, se Curitiba Zero Grau
é um filme básico, ele também é um filme primário. Seu ideal de
filme independente naturalista não ficaria fora do lugar em 1951
– e não pensamos aqui em Nelson Pereira ou Roberto Santos, mas muito mais
nas primeiras tentativas frágeis de um Rodolfo Nanni e Alex Viany.
Mais grave é incapacidade do filme em fluir, o que fica claro
numa das cenas iniciais, em que o revendedor de carros e seu sócio
discutem a situação deles em diálogos mastigados, que explicam
tudo que o espectador precisa saber, mas que se tornam progressivamente
constrangedores à medida que fica clara a falta de habilidade
do filme em disfarçar que aqueles personagens expõem a situação
para o público, e não para eles mesmos. Tudo em Curitiba Zero Grau
é mastigado, sublinhado da forma mais grosseira e óbvia, sem nenhuma
noção disso.
Inácio
Araujo costuma dizer que uma parte do cinema brasileiro nunca
deixou os anos 30, e de certa forma Curitiba Zero Grau
é o complemento “moderno” perfeito para este cinema antiquado
e perdido no tempo, o dos nossos Beto Souzas e Helvecios Rattons.
Pensando assim, diz muito a inclusão do filme numa seção como
a Novos Rumos do Festival do Rio. Muito mais interessante que
Curitiba Zero Grau, é vê-lo neste contexto (do qual, é
bom frisar, Elói Pires ferreira não tem nenhuma responsabilidade
já que nada no seu filme sugere qualquer pretensão de apontar
algo realmente novo), e notar como o cinema brasileiro tem dificuldades
de pensar a si mesmo e lidar com registros mais arejados. Curitiba
Zero Grau sugere pouco mais que um sub-Rio 40 Graus.
Se somos um cinema perdido no tempo, o maior valor de Curitiba
Zero Grau (e sua “novidade”) é constatar isso para além de
qualquer dúvida.
Outubro de 2010
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