in loco - Festival de Brasília
Competição de curtas
35mm- primeiro dia
por Cléber Eduardo
Noite de Sexta, Manhã de Sábado,
de Kleber Mendonça Filho
Frescor
racional
Se cada filme é sempre um novo filme, também é
parte de uma filmografia, que, respondendo a questões pessoais
ou ao momento do cinema no qual se desenvolve, pode cultivar continuidades
ou transformações. Bastam as primeiras imagens de Noite de
Sexta, Manhã de Sábado, do pernambucano Kleber Mendonça Filho,
para detectarmos uma mudança de registro. Na até aqui bem nutrida
trajetória do diretor, na qual Eletrodoméstica e Vinil
Verde (nessa ordem) são os pontos mais altos, o novo curta
sai de casa e abandona o rigor de decupagem. Vemos imagens granuladas,
em preto e branco, captadas por uma câmera ansiosa e organizadas
com a disposição de, sem afastar-se de determinados lugares comuns
dos últimos anos (o faux raccord, o olhar de vários ângulos
em um mesmo espaço, as elipses curtas e a quebra de eixo), propor
uma encenação mais livre. A busca de uma maior pulsação
da imagem e dos acontecimentos dentro do quadro (na verdade, dos
quase não-acontecimentos), parece ser um movimento de meia-volta
– como se o diretor quisesse, para respirar um pouco, afastar-se
dos riscos de asfixia de seu rigor plástico, de sua criação extremamente
racional, geométrica, que tem sido o ponto alto de suas realizações
até o momento.
Essa encenação mais “jovem”, que reivindica uma
imaturidade para a linguagem depois da precoce maturidade de Eletroméstica,
acompanha um rapaz em uma festa, em plano-sequência fragmentado,
cheio de cortes e desorganização do espaço. Essa mesma desorganização,
que valorizam o corpo dos personagens sobre os lugares por onde
transitam (sem ignorar os lugares), veremos no cerne dramático:
um telefonema em inglês entre esse rapaz e uma jovem (ele em Recife,
ela em algum lugar muito distante), um e outro sem muitas palavras
para dizerem, separados e reencontrados, com juras de amor travadas
na garganta e silêncios tão íntimos quanto doloridos. Nesses momentos,
temos uma dinâmica de plano/contra plano com um oceano no meio,
com o som de um ambiente entrando em choque com o som do outro,
com cortes secos (sonoros, sobretudo), em busca de uma relação
mais selvagem com o tecido audiovisual.
Crítico de cinema em sintonia com autores e manifestações
contemporâneas (e não apenas com as lançadas comercialmente no
Brasil), Kléber Mendonça Filho, crítico único do site Cinemascópio
e colaborador de Cinética, pode suscitar uma aproximação com outras
manifestações: seja de um misto de primeiro Godard e de
um já experiente Eric Rohmer (a tetralogia dos contos de estações);
seja a de uma expressão de afetos contemporâneos de um Richard
Linklater – sem, necessariamente, fazer a passagem do conceito
para seu efeito sensorial; sem, na integralidade dos momentos,
deixar as opções de estilo elevarem a pulsação buscada por seu
romantismo de século XXI. Talvez ainda haja muito racionalismo
nessa busca de frescor.
* * *
Hibakusha: Herdeiros Atômicos no Brasil,
de Mauricio Kinoshita
Reproduzindo
a hegemonia dos documentários formatados pela seleção de frases
de efeito, de modo a termos fragmentos-sínteses de um tema, Hibakusha:
Herdeiros Atômicos do Brasil, de Mauricio Kinoshita, ambiciona
ser uma memória-denúncia sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki.
Mas o que ainda, sobre esse tema, há a ser mostrado? Essa pergunta
parece não ser uma questão para o filme e, ao adentrar esse tema,
resta-lhe investir na emoção dos entrevistados. Intercalando imagens
deles nas entrevistas e em alguns outros ambientes, em ações facilmente
substituíveis por quaisquer outras, dada a sua irrelevância para
o assunto abordado, Kinoshita tenta justificar seu compromisso
com o registro emocional. É como se o apelo de um trecho de piano
ou de um zoom em um olho à beira das lágrimas fosse legitimado
pelas cruéis imagens de arquivo dos efeitos da bomba atômica em
adultos e crianças. Nada contra a intenção de usar o cinema para
se criar memória e documento da História (porque é disso que trata
Hibakusha), mas essa missão humanista pode relegar o cinema
a mero meio, sem investir na linguagem como percurso e finalidade
de sua proposta. Parece ser o caso.
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