Em Paris (Dans Paris), de Christophe Honoré
(França, 2006)
por Eduardo Valente

Pequenos grandes momentos

Difícil saber como um filme sobre o fim de um relacionamento amoroso e a depressão que obrigatoriamente nos invade num momento como este pode soar tão incrivelmente doce e generoso como este Em Paris. O filme de Christophe Honoré consegue realizar plenamente a difícil missão de dar conta da dupla dimensão deste estado de espírito: a sensação de fim do mundo, de uma pequena morte (porque é um mundo que morre, de fato), e ao mesmo tempo a potência e a beleza na sua quase obrigatória efemeridade – onde como deixar de sentir a dor é, de alguma forma, matar o outro dentro de si, cultiva-se a dor mesmo sabendo-se que ela pode ser passageira.

Nesse sentido, a estrutura narrativa escolhida por Honoré funciona a mil maravilhas: o filme é de fato dividido em duas partes. A primeira, que começa após uma breve introdução no presente, nos transporta ao passado do caso de amor em questão (interpretado com um lirismo gutural por Romain Duris e Joana Preiss). Honoré menos explica do que se coloca frente a um romance cujas bases não conheceremos: entendemos apenas, pelo que vemos na tela, a força que ele tem dentro dos dois personagens, e ao mesmo tempo que ele está ruindo escancaradamente frente a nossos olhos (algo que não é nenhuma surpresa, já que a introdução nos dá esta informação).

Honoré é quase musical em sua filmagem (e o rock tem uma presença essencial em cena): o que vemos são menos cenas do que imagens, do que pulsões. Duris se atira debaixo do carro de Preiss, que logo dança sem roupa e tem seu corpo repelido pelo dele, e assim por diante. Na incerteza temporal imposta pelas seguidas elipses, nossa compreensão se dá sempre pela acumulação, pela intuição. De alguma maneira ele realiza nesta primeira parte do filme o exato oposto do (belo) O Amor em Cinco Tempos, de François Ozon: enquanto ali uma relação se (des)construía frente a nossos olhos a partir de cinco momentos específicos e marcantes, aqui os momentos são banais, pouco ou nada explicam para além do que os olhos e corpos parecem nos dizer de cada situação.

Depois desse momento de dilatação/compressão do tempo diegético, no seu segundo momento o filme se fixa no presente, pela duração estritamente cronológica de um dia (onde a relação com a passagem do tempo e a relação dos irmãos é particularmente feliz). Aí então o personagem de Duris se encontra cercado por sua família docemente disfuncional: o pai atabalhoado que quer ver o filho bem mas não entende os sinais que ele lhe passa; o irmão que, exatamente oposto à interiorização de Duris, vive o mundo na superfície, flanando por ele e pelas mulheres (e aqui, a filmagem "auto-consciente" de Louis Garrel, embora faça todo sentido conceitual e no personagem, quase faz o filme se perder numa certa "esperteza" excessiva); e a mãe, figura que consegue na pequena seqüência em que fica em cena dar toda a dimensão de uma “presença ausente”, daquelas que se consegue ficar meses sem ver, mas logo trocar confidências deitado na cama, como se estivesse de volta à infância.

Nesta parte do filme, impressiona como Honoré consegue mergulhar na verdade dos mínimos momentos, dando palpabilidade para todos aqueles personagens sem nunca precisar “explicá-los”. Seja na discussão entre pai e mãe na cozinha (onde com três ou quatro frases – e a maneira de dizê-las – os dois atores constroem o universo de uma relação de décadas); seja no olhar do pai que encontra o filho deprimido no que parece ser um movimento suicida; seja no abraço dos irmãos na banheira: em cada uma destas cenas, Honoré cimenta seus personagens em algo que consegue tornar a breve filmagem de um dia na representação de toda a vida de uma família.

E é na atenção aos detalhes, sempre, que se constrói passo a passo o efeito de Em Paris, porque Honoré é, além de um exímio escritor de diálogos, um manhoso encenador de “momentos”. Duris na cama de sua infância acompanhando um vinil dos anos 80; Louis Garrel chegando em sua terceira conquista através da vitrine de uma loja; a conversa com uma perfeita estranha onde Duris finalmente consegue abrir o coração (fechado a toda a família) e falar sobre a irmã morta; os irmãos lendo o livro infantil: encenados para o tom menor da intimidade, são de fato momentos grandes, notas fortes, precisamente colocadas para o efeito desejado.

Por tudo isso é especialmente curioso ter visto, como foi o meu caso, este Em Paris de 2006 sob a luz de já conhecer o novo filme de Honoré, Chansons d’Amour. Porque, para além da superposição de temas e situações (principalmente a presença da morte entre pessoas muito jovens), é marcante o abraço que seus filmes trazem, das maiores tristezas lado a lado com as enormes alegrias. E até por isso parece apenas natural que seu cinema atingisse neste novo Chansons o registro do musical (que, aliás, já é antecipado numa cena quase no final de Em Paris): porque a inundação de sentimentos por seqüência de seu cinema pede mesmo que os personagens explodam para além das fronteiras do pequeno naturalismo do dia a dia – que simplesmente não dá conta de tudo que se passa dentro e entre as pessoas.

Outubro de 2007


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