Depois Daquele Baile, de Roberto Bontempo
(Brasil, 2005)
por Eduardo Valente
Telenovela de arte
Num certo momento já avançado da trama desta estréia do ator Roberto
Bontempo na direção cinematográfica, a personagem interpretada
por Ingrid Guimarães vira-se para aquela interpretada por Irene
Ravache e diz: “Amor é uma coisa; sexo é outra”. Ao que rebate
Ravache: “Ah, mas com amor é bem melhor”. O diálogo serve como
um exemplo claro do tipo de narrativa que Depois daquele baile
representa: ao mesmo tempo a repetição de clichês e a conformação
às mesmas normas de conduta e valores morais que são repetidos
ad eternum pela teledramaturgia mais tradicional. A curiosa
coincidência dele entrar em cartaz enquanto um casal formado por
dois de seus protagonistas (Ravache e Lima Duarte) também está
no ar protagonizando a novela das 21h da Rede Globo acaba ajudando
ainda mais para que o espectador se veja um pouco confuso sobre
os limites entre uma e outra forma de comunicação.
Não é o caso de retomar a batida (e mal conduzida)
discussão sobre o cinema e a linguagem televisiva, especialmente
numa lógica preguiçosa onde o número de closes faria uma
obra televisiva e o número de movimentos de câmera caracterizaria
uma outra como cinema. Porque não importa quantas vezes a câmera
de Nonato Estrela descreva um movimento de travelling em
Depois daquele baile, em todas elas fica claro que ela
o faz para se “provar cinema”, por mais que o objeto diante de
suas lentes (personagens, dramaturgia, estrutura) pareça gritar
outra coisa. Na repetição dos quase bordões de seus personagens,
que se auto-explicam a todo momento (“Eu só quero o futuro, o
futuro”, diz Lima Duarte), o filme reafirma sempre o desejo de
não apenas ser compreendido – ser didático. E o didatismo é, afinal,
a marca da televisão.
Mesmo os eventuais pontos de alguma diferenciação
que o filme busca acabam pasteurizados (no que não ajuda em nada
a imagem lavada que vemos na tela o tempo todo – marca maior deste
“cinema-quase-TV”) – ser filmado em Belo Horizonte, por exemplo.
Fugir das paisagens mais exploradas da dramaturgia televisiva
podia ser um ponto de interesse do filme, mas o uso que faz da
capital mineira fica óbvio já na dantesca montagem de imagens
que constrói em sua abertura: futebol no Mineirão, tutu à mineira
na mesa, Mercado Central, prédio de Niemeyer – trata-se da BH
que todos conhecemos, mesmo sem nunca ter ido lá. Usados os “signos
mineiros”, basta adicionar sotaque aos atores de sempre (operação
não muito distinta das novelas nordestinas), e pronto. Estamos
de volta ao mesmo mundo de uma dramaturgia de plástico, onde a
falsidade eventual das externas do Projac parece mais adequada
ao jogo dos personagens.
Se o filme é bom (não é) ou se consegue comunicar-se
com o público que deseja (aparentemente formado pelas senhoras
de terceira idade das sessões das tardes de cinema), parecem questões
menores. A simples constatação, um tanto óbvia, é que fica difícil
entender o porquê da necessidade de se realizar Depois daquele
baile para o cinema, num país onde o acesso aos meios deste
tipo de produção são tão difíceis e a produção teledramatúrgica
tão mais desenvolvida. Afinal, se é para fazer menos do que 50
mil espectadores no país (aparente sina de boa parte da produção
brasileira atual fora dos esquemas Globo Filmes), Depois daquele
baile faz sentido? Que um Signo do Caos, um Veneno
da Madrugada façam menos de dez mil espectadores no cinema,
parece algo inerente a um determinado “cinema da resistência”
– com toda romantização que o termo possa trazer. Mas onde se
enquadra um filme popular que se conforma com um público “experimental”?
O teor deste texto não é o de patrulhar a liberdade
e a diversidade de escolha de filmes em editais (já que este filme
é fruto de um edital para filmes de Baixo Orçamento), mas simplesmente
a de colocar a questão: a quem interessa esta produção de filmes
“independentes” que espelha, em todos os sentidos (menos o orçamento),
a proposta dramatúrgica dominante do mercado de produção de audiovisual
ficcional brasileiro? E eu não digo só sobre o interesse dos elementos
externos ao filme: me pergunto mesmo para seus atores, seu diretor,
dentro de seu projeto de um cinema de comunicação, qual o fetiche
da exibição de Depois daquele baile em algumas poucas salas
de cinema do país, quando em qualquer emissora de TV (mesmo não
sendo a líder em audiência) eles teriam o triplo de espectadores
para a sua história? Por que um filme, e não uma sitcom?
Por que um filme e não uma novela? As perguntas, juro, não são
retóricas: realmente gostaria de ouvir algumas respostas que me
ajudem a entender esta questão, que mais me confunde do que indigna.
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