Devoção, de Sergio Sanz (Brasil, 2008)
por Julio Bezerra

Aula ilustrada

Mal o filme começa, e Devoção diz logo a que veio: cerimônias católicas e umbandistas são entrelaçadas por uma série de cortes secos e por cânticos de ambas as religiões; Santo Antônio é identificado com Ogum. Sérgio Sanz, que já havia feito uma revisão crítica do integralismo em Soldado de Deus (2005), agora questiona o grande mito religioso do Brasil: o sincretismo. Guiado por uma pesquisa da antropóloga Maria Helena Torres, Sanz convoca historiadores, pais-de-santo e frades, cada um defendendo seus respectivos pontos de vista, e se joga nesse debate que remonta aos tempos da colônia. 

O cineasta parece evitar ao máximo as interferências: Sanz não se coloca acima do filme, assim como Devoção tampouco é vítima de um reducionismo didático. Não temos aqui um narrador onisciente; parece, ao contrário, mesmo que por vezes isso soe forçado, que o diretor é apenas testemunha. Devoção nos deixa ver o fascínio de Sanz por aquilo que ele filma e, neste sentido, o que se destaca é o uso de closes. Em seus rostos e olhares, os entrevistados nos devolvem as perguntas e o drama, agora frente a frente, se dirige pessoalmente ao espectador.

Assim como em Soldado de Deus, estamos mais uma vez diante de um documentário cuja relação com o real é ancorada pela escolha de um tema. Embora a imagem esteja sempre bem composta, o filme de Sanz jamais extrapola sua estrutura majoritariamente informativa. O documentário é aqui sinônimo de organização de fontes e dados. Devoção é como uma aula ilustrada: os entrevistados são apenas fontes de informação. Trata-se de um documentário sobre a religiosidade de certas pessoas, mas sabemos muito pouco sobre elas. As entrevistas jamais ultrapassam uma esfera de autoridade: os entrevistados de Devoção não falam, eles explicam. Sanz não está exatamente interessado em explorar a experiência vivida pelos depoentes. São poucos os momentos em que os testemunhos são guiados pelo desejo pela imersão em um imaginário religioso individual. São opções discutíveis, mas compreensíveis considerando o tipo de aproximação que Sanz empreende. Em miúdos: ser informativo e claro parecem ser as maiores preocupações deste documentário clássico, eficiente em relação aos seus objetivos.

Setembro de 2008

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