diário da redação
Bus TV: a imagem literalmente em movimento
edição de Eduardo Valente

A dinâmica de uma redação (ainda mais quando ela funciona virtualmente, em lista de discussão via web) é mesmo misteriosa. Muitas vezes os ganchos mais inesperados, como este lançado por um inocente email curtíssimo que anunciava uma futura nota, acabam levando a todo um papo com desenvolvimentos inesperados, que acabam interessando mais do que a própria nota inicial.

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Fábio Andrade, 01/09/1008, 13:47
Pensei em escrever uma nota sobre a Bus TV. Comecei a esticar o olho para a tv no ônibus que me leva pro trabalho, e acho que tem questões interessantes ali que podemos, ao menos, começar a pensar...

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Leonardo Mecchi, 01/09/1008, 20:19
Fiquei muito curioso com o lance do Bus TV, Fábio, e que está totalmente em sintonia com o que conversamos ontem sobre a experiência-pedestre na metrópole. Manda ver!

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Fábio Andrade, 01/09/1008, 21:12
Leo,
O cinema vem da máquina a vapor, do trem (não só como espírito, mas também como – pela janela – formar um primeiro "quadro" cinematográfico), da observação e fixação dos movimentos dos animais para criar outras máquinas, outros movimentos, outras facilitações. Nesse sentido, o retorno das imagens desse primeiro cinema aos ônibus faz parte de um mesmo pacote ideológico. São dois bichos nascidos de um mesmo sentimento.

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Ilana Feldman, 01/09/1008, 23:04
Por falar em primeiro cinema e sobre o Bus TV (não vi o site ainda), me lembrei da TV do metrô aqui de São Paulo, totalmente na lógica das atualidades do primeiro cinema: imagens autônomas e informativas, reencenações ficcionais, ausência de som e legendas, mas sempre na lógica do serviço informativo, como "pílulas" sobre saúde, bem-estar, estética, ecologia etc etc. Já a Bus TV daqui é lixo total. Tem uma pegada "popularesca" na tentativa de fazer um humor idiotizante, pelo menos pelo que já vi. De qualquer forma, disputar a atenção com a paisagem, urbana e humana, é uma estratégia tenebrosa...

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Fábio Andrade, 02/09/1008, 00:25
O que mais me interessou na Bus TV daqui (do Rio) é que, entre programas muito mal pensados, o maior acerto é a surpreendente inclusão de trechos de comédias silenciosas – Buster Keaton, Laurel & Hardy, Chaplin – na programação. Passam ali, junto das video-cassetadas, dos clipes de gols clássicos e do horóscopo. Acho um retorno curioso para um cinema hoje confinado às cinematecas e às mostras – ali, tão vivo, no dia das pessoas.

E se isso puder ser pensado como formato de produção para o meio – barulho é infernal, daí a necessidade de se sustentar em silêncio – acho que pode dar muito pano pra manga. O que acho realmente surpreendente é que, no meio de vários erros de programação, o pessoal da Bus TV tenha percebido que o retorno às esquetes silenciosas funcionaria tão bem.

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Ilana Feldman, 02/09/1008, 10:03
Interessante isso que o Fábio está falando sobre a exploração das potencialidades do cinema silencioso nesses monitores que não podem ter som... Engraçado, aqui em SP não vi esse uso de trechos das comédias silenciosas de Chaplin e Keaton, só umas "atrações" horrorosas em meio aos horóscopos. Mas, de qq forma, tenho a impressão, totalmente impressionista, que a Bus TV daqui é muito mais deslocada e disfuncional que a TV do metrô (que resolveria melhor a questão do silêncio).

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Lilá Foster, 02/09/1008, 10:03
Sobre a Bus TV, em São Paulo: nos ônibus são três canais diferentes – a Bus TV, TVO e um produzido pela Casablanca. Todos horrendos, mas eu assisto, até me irrito quando repete. Agora, não sei se por alguma incapacidade técnica, o tempo, o problema do som, mas porque eles simplesmente não transmitem canais de tv ou pequenos programas? O da Casablanca passa trechos de BandNews mas esses canais não tem cara de TV, na sua faceta narrativa mesmo, a tv é um suporte.

O TVO é como um passatempo, com joguinhos, pequenas informações e quadros como "O rei da linha" (ilustração através de fotos de histórias de funcionários da companhia de ônibus). Eu não vejo uma preocupação em se fazer tv adaptada para o ônibus, parece que alguém teve essa idéia genial de colocar TVs em ônibus, o lugar mais cheio do mundo, no qual circulam milhões de pessoas, facilmente identificadas por classe X, Z e W e o ditame parece ser: produzam alguma coisa aí com pouco dinheiro e, principalmente, popular.

Popular pode significar milhões de coisas, como a gente bem sabe, então nessas tvs o popular pode ser "educativo" (o que significam os números romanos?), ter a sua função pública como difusora de informação (a Metro News, que eu gosto, acho uma boa solução, mas reparem que só tem na linha verde que é o trecho da paulista, cheio de culturetes, empresários, yuppies, estudantes, designer, "gente de opinião"...) ou ser algo bem imbecil mesmo.

Agora o que eu acho horrendo e assustador não é tanto essa disputa com a paisagem da cidade, porque muitas vezes ela é opressora mesmo (pense em quem fica 2 ou 3 horas no ônibus ou por onde o ônibus circula) e exige muita imaginação e encantamento reciclar essa paisagem todos os dias. E a tv tem disso, menos do que distrair, ela concentra, reduz os esforços, ou melhor, concentra os esforços. O assustador é como o desenvolvimento tecnológico ou as "idéias" podem ficar em função de uma criação desenfreada de novos suportes para a publicidade. É publicidade em todo o lugar, isso sim é opressor.

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Fábio Andrade, 02/09/1008, 10:55
Lila,

a Bus TV daqui também é feita pela Casablanca. Parece que a transmissão funciona de duas maneiras: ou por internet, ou por dvd mesmo. Imagino que exista alguma limitação técnica para exibir os canais abertos nesse esquema, mas acho que a resposta mais importante à sua pergunta é outra: por que exibir material pronto, se eles podem ganhar dinheiro também produzindo material novo?

E acho que, pela questão sonora, não funcionaria exibir os canais abertos não. Os programas até têm som, mas você só escuta quando o ônibus pára no sinal. E não é à toa que uma das piores idéias da Bus TV daqui seja a exibição de clipes: ficamos ali, lendo as legendas, e só.

A Bus TV do rio tem uma preocupação interessante em criar uma programação em cima de pílulas curtas, travando contato com passageiros de todo tipo de duração. Se vai ficar no ônibus por apenas um ponto, verá algo com início, meio e fim. Em geral, estão tateando em todos os lugares errados. Mas acho muito interessante essa relação com o cinema silencioso, em um paradoxo temporal e estético que realmente dá o que pensar.

Fora isso, eles passam trailers de filmes também – a questão sonora atrapalha, mas funciona bem melhor do que os clipes.

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Ilana Feldman, 02/09/1008, 11:03
Lila,

é essa publicidade generalizada que disputa, capitaliza e tenta colonizar nossa atenção. A estratégia velhaca – e eficiente – de sempre. Mas o irônico é que essa proliferação publicitária indoor é paralela, aqui em SP, à eliminação da publicidade em outdoors, não? A cidade até pode estar "limpa", mas a "sujeira" foi transferida de lugar...

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Nikola Matevski, 02/09/1008, 12:50
Em Curitiba houve apenas tentativas de implantação de uma rádio nos ônibus, mas a iniciativa sofreu com os problemas que o Fábio apontou, ainda mais sendo interrompida pelos avisos automatizados de "próxima parada...".  Tem o primeiro cinema, mas já imaginaram se resolvem passar Brakhage?


Setembro de 2008


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