O Discurso
do Rei (The King’s Speech),
de Tom Hooper (Reino Unido/EUA/Austrália, 2010)
por Pedro Butcher
A
era do rádio
O Discurso do Rei
é um filme sobre a era do rádio. Logo no plano de abertura, um
imenso microfone ocupa quase toda a dimensão da tela; ao longo
da projeção, microfones de vários tipos e tamanhos voltarão para
nos lembrar, incessantemente, do “real” tema do filme: não estamos
acompanhando apenas a trajetória de superação de um personagem
com problemas de fala (o rei George VI); estamos testemunhando
um momento histórico da revolução tecnológica e da gênese da comunicação
de massas.
Em plena era dos tablóides, a monarquia e as intrigas
palacianas exercem um fascínio aparentemente anacrônico – mas
que, pensando bem, faz todo o sentido. Como reis e rainhas, celebridades
são pessoas que parecem ter sido escolhidas pelo destino para
ocupar um “lugar especial” nesse mundo. Um lugar etéreo e divino,
já que não é fruto de criação ou trabalho. Dos escândalos de Henrique
VIII na minissérie The Tudors à morte da princesa Diana
em A Rainha, a monarquia
alimenta a cultura da celebridade contemporânea. O Discurso
do Rei se encaixa perfeitamente nesse contexto ao retratar
“o início de tudo”. Seu protagonista é um príncipe obrigado a
assumir o trono inesperadamente depois que seu irmão, por amor
a uma mulher divorciada, abdica do cargo. Escândalos e artimanhas
do destino trabalham para colocar o pai da atual rainha Elizabeth
em seu devido lugar na história.
No
caminho, porém, há um empecilho: George é gago! Justo na época
em que os discursos reais passam a ser transmitidos ao vivo, pelo
rádio, para multidões. Apenas a ajuda de um terapeuta que usa
métodos não convencionais vai poder curar sua doença e prepará-lo
para o microfone. As aparentes críticas à monarquia e sua pompa,
que chegam à cena com o personagem de Lionel Logue, o terapeuta,
são meras pílulas para temperar a trama com alívios cômicos. No
fim – e não há spoilers aqui, por favor –, a realeza será
devidamente exaltada. George encontra sua voz e conforta a nação
com seus discursos em
plena Segunda Guerra; Lionel, como recompensa,
ganha um título de nobreza.
Mas O Discurso do Rei não é apenas um filme
“sobre” a era do rádio – é também um filme que pertence à era
do rádio e que faz questão de nos lembrar, com suas imagens submissas
e redundantes, de como a comunicação é regra, e a arte, exceção.
Se o espectador fechar os olhos, não fará muita diferença – toda
a “força” do filme vem dos diálogos, talvez um pouco mais polidos
e irônicos do que os de uma rádio novela dos anos 30.
A dimensão que se perderá com essa atitude
(fechar os olhos) é a redundância da imagem metafórica, que quer
“expressar” a condição psicológica do personagem com o uso ostensivo
de lentes grandes angulares para distorcer o ambiente e as incessantes
imagens de microfones.
Por
fim, uma observação boba, mas necessária: Geoffrey Rush, como
Lionel, “janta” Colin Firth, como George VI – e apesar de os dois
dividirem praticamente o mesmo tempo de cena, Firth foi indicado
como melhor ator (e vai ganhar), e Rush como coadjuvante. Privilégios
de rei.
Fevereiro
de 2011
editoria@revistacinetica.com.br |