Por que Cinética?
por Cléber Eduardo, Eduardo Valente
e Felipe Bragança
A pergunta expressa a dúvida motivadora dos
três editores e, se na teoria temos entre nós razões tão diferentes
quanto compartilhadas para nos lançarmos a essa empreitada, na prática
a resposta começa agora. CINÉTICA ambiciona ser um espaço de troca
de pensamentos – não sem dúvidas, porque a escrita, essa atividade
a qual nos dedicamos, é uma dança com a dúvida. CINÉTICA é nutrida
pelo desejo por essa dança, um desejo às vezes até aparentado da
certeza, tamanha a convicção nele mesmo, nos estímulos, em nossa
atividade e na discussão como ferramenta de crescimento – mas sabendo
que, sem a dúvida, a crítica é sepultada no jazigo dos dogmas, onde
não se aceita o movimento livre das idéias.
CINÉTICA. Observação das
forças que alteram a velocidade do movimento. Pensamento = movimento.
Cabe a nós observar as forças que o afetam, que nos afetam, sem
deixar de nos colocar como parte dessas forças, com proximidade
crítica, distanciamento íntimo, crueldade com afeto, rigor com
generosidade.
Damos, então, boas vindas
à CINÉTICA para nossos leitores.
* * *
CINÉTICA é um site empenhado
em manter um diálogo direto e franco com o audiovisual e seus
realizadores. Nossas intervenções abrangerão desde ensaios sobre
dilemas estruturais a comentários urgentes sobre filmes, programas
de TV, videogames e projetos para internet.
A criação de poros, de um
espaço de troca constante entre o esforço crítico e o esforço
de realização de imagens, nos parece crucial para a maturidade
e a vivacidade do cinema, em especial no universo brasileiro,
demarcado por disputas políticas e econômicas que levam as discussões
a acontecer fora das obras audiovisuais e não por dentro delas.
Por isso mesmo, não é acaso
a situação de críticos-realizadores (ou realizadores-críticos)
dos três editores, que vivem na pele o constante e saudável embate
dos dilemas dos criadores com os da reflexão sobre as obras criadas.
Esperamos que este teor altamente metalinguístico de nossa relação
entre criação e reflexão transpire nas páginas virtuais desta
revista. Da mesma forma, vários dos componentes de nossa redação
(apresentada no link Redação) já passaram
ou ainda passam pela realização audiovisual, nas mais diversas
formas. No entanto, esta não é uma pré-condição imposta para se
escrever no site, visto que outros colaboradores sempre privilegiaram
a reflexão e a prática do jornalismo.
Cinética priorizará, num
desafio auto-sugerido, três aspectos importantes:
- a fluidez de temas e assuntos
dentro do audiovisual (sem obrigatoriedade de pauta);
- a abertura a participações
de colaboradores constantes das mais variadas formações;
- a troca direta com os realizadores
e leitores.
O desejo de atrelar esses
três fatores de reflexão aparece no formato de painel em que a
revista se apresenta, dividida nas suas quatro seções, cujo conteúdo
específico encontra-se devidamente explicado sob o link A
Revista.
* * *
Nossos primeiros entrevistados
nesta nova empreitada são os editores da revista de cinema Contracampo,
Ruy Gardnier e Luiz Carlos Oliveira Junior. A escolha é, mais
do que óbvia, uma necessidade: dos três editores de CINÉTICA,
os cariocas Eduardo Valente e Felipe Bragança viveram todas as
suas experiências com a crítica cinematográfica dentro da Contracampo.
E se o paulistano Cléber Eduardo começou antes da Contracampo
existir, também é verdade que foi dentro dela que militou nos
últimos anos com mais proximidade da reflexão cinematográfica
e do embate com o cinema brasileiro em particular.
Para nós três, a Contracampo
foi bem mais do que o ponto de encontro onde começamos a traçar
as trajetórias que hoje nos trazem até CINÉTICA: foi uma autêntica
escola de cinema. Escola não só pelo que nos ensinou, num sentido
mais tradicional, mas por tudo que nos permitiu vivenciar. Do
contato constante com todos os redatores da Contracampo nasceram
tantos projetos, tantas idéias, tantos novos olhares sobre cinema.
Acima de tudo, foi descoberta ou atiçada uma fome comum a todos,
uma necessidade quase irracional de vasculhar as pistas que nos
intrigam na produção de imagens e sons que marca o mundo em que
vivemos. Um amor incondicional pelo cinema, e pela escrita sobre
ele.
Por isso tudo, começar uma
empreitada nova falando com os atuais editores da Contracampo
é menos uma homenagem do que uma certeza: a de que, por mais que
as trilhas estejam hoje caminhando em separado, o que se busca
alcançar no final da caminhada continua sendo muito semelhante.
E que CINÉTICA e CONTRACAMPO estão longe de serem concorrentes.
São, antes de tudo, complementares. E parceiras.
* * *
Nesta nossa entrada no ar,
destacamos editorialmente a TV (no caso, a Globo), mais evidente
e penetrante produtora da nossa cultura das imagens. Se há pelo
menos cinco textos e várias anotações na revista sobre a produção
da TV, destacamos em especial o recente protagonismo da periferia
na programação de alta visibilidade da emissora carioca. Depois
de instalar Cidade dos Homens no calendário de atrações,
a Globo moveu-se em duas direções complementares. Primeiro com
a exibição de Falcão – meninos do tráfico, intercalada
de comerciais e sucedida por comentários de ficcionistas. Depois
com o novo programa de Regina Casé, Central da Periferia,
no qual ela celebra a cultura da margem. Em um, a resignação paira
na edição e nos comentários. No outro, a “perifa” é celebrada
e se autocomemora, feliz, vencedora, orgulhosa de si, sem a necessidade
de políticas direcionadas.
O fato de planejar a exibição
de outra série nesse segmento, Vila Brasilândia, apenas
evidencia essa nova estratégia de pacto de classe e de apaziguamento
das tensões. Curiosamente a nova atração será baseada em um filme
brasileiro (Antonia, de Tata Amaral), como já fora Cidade
dos Homens e Carandiru – Outras Estórias – ainda que
este filme agora escolhida nem esteja finalizado e lançado.
Não estabelecemos nessa prioridade
editorial gradações qualitativas entre estes programas e os filmes
exibidos no cinema. Apenas percebemos a urgência de discutir mais
a fundo as questões propostas por este material da Globo (até
mesmo, e talvez principalmente, por suas opções estético-narrativas).
Já os filmes estreados no ano não conseguiram nos despertar o
mesmo interesse de pesquisa.
Embora seja um dado positivo
a quantidade de lançamentos brasileiros em 2006 (pelo menos no
Rio e em São Paulo), até o começo de maio, o cinema não pode ser
analisado e avaliado apenas em cima de dados – ainda mais que
a bilheteria da maioria deles beirou a insignificância. Mas, além
disso, é preciso levar em conta as opções estéticas e dramáticas,
as estruturas narrativas e a adequação às propostas – não importa
qual seja a proposta, porque não temos a intenção de patrulhar
essa ou aquela modalidade de cinema.
Na avaliação dos editores,
o conjunto de filmes foi do modesto ao frustrante, a despeito
do currículo e do prestígio de alguns de seus realizadores (Ruy
Guerra, Lírio Ferreira, Ugo Giorgetti). O cenário só foi relativizado
no apagar das luzes da preparação da nossa entrada no ar, com
as reflexões entre nós sobre Brasília 18%, de Nelson Pereira
dos Santos; e A Concepção, de José Eduardo Belmonte – que
se somaram a Crime Delicado, de Beto Brant, como os filmes
mais estimulantes do ano até agora.
Ainda assim, fizemos questão
de responder individualmente e com atenção a cada um dos lançamentos,
dedicando ainda um ensaio a três obras com pontos em comum – mesmo
que não necessariamente positivos. CINÉTICA indica assim, desde
sua criação, que terá a obrigação de responder criticamente a
todos os filmes brasileiros que entrarem em cartaz. Sem qualquer
traço de xenofobia ou protecionismo, acreditamos que nosso diálogo
primeiro é com quem produz cinema (e audiovisual, em geral) no
país em que vivemos – sob as condições mais diversas.
Está aberto o bate-papo.
Colaborem conosco para que ele continue.
editoria@revistacinetica.com.br
|