Do assombro à ação
por Cléber Eduardo, Eduardo Valente
e Felipe Bragança
Há apenas dois meses, entrávamos no ar com os
primeiros textos da Cinética, e neles tentávamos propor uma reflexão
sobre os filmes brasileiros estreados nos cinemas até o mês de
maio. Nos parecia (e continua parecendo) importante que uma revista
de cinema feita no Brasil dê prioridade total ao diálogo com o
cinema que é produzido no país – seja ele de nossa maior ou menor
admiração. Já então, o número de estréias de 2006 parecia impressionante,
mas desde aquele mês, ao longo de maio, junho e julho, o número
cresceu ainda mais exponencialmente – tanto que, entre viagens
de trabalho, esforços para dar luz à revista e corrigir suas primeiras
rotas de acordo com as respostas dos leitores e da própria redação,
acabamos não conseguindo sequer dar conta de ver/criticar todos
os filmes nacionais em cartaz, compromisso que havíamos assumido
desde o primeiro editorial de Cinética (portanto, assumimos aqui
nossas faltas momentâneas com Dom Hélder – O Santo Rebelde,
Outra Memória, Ginga e Araguaya – além de
Acreditem! Um Espírito Baixou em Mim, que só estreou em
Minas Gerais).
Porém, talvez este fosse o primeiro sinal de
que algo de muito errado acontecia neste circuito de estréias:
se nós que fazemos questão, por obrigação auto-imposta, de ver
todos os filmes brasileiros que entram em cartaz não estamos conseguindo
dar conta de cumprir esta "missão", o que dirá o espectador
de cinema – seja ele mais assíduo ou apenas eventual. A estas
alturas os números de público alcançado pelos filmes brasileiros
em cartaz começavam a se tornar francamente angustiantes, e esta
nossa sensação de que algo errado acontecia passou a se tornar
muito mais uma assombração do que uma simples culpa de um dever
não cumprido. Afinal, para quem se estava fazendo cinema no Brasil?
Movidos por este incômodo, do debate sobre o tema
surgiu a proposta de um texto do redator Leonardo Mecchi, que
depois foi transformado em dois, sendo que a segunda parte conta
com a participação de um dos editores, de tamanha centralidade
que este tema passou a ocupar nas nossas conversas diárias. A
menos de uma semana da entrada deste texto no ar, vimos a entrada
da nova edição da Contracampo. Nesta edição (a de número
81), o tema principal da revista é o mesmo que não saía das nossas
discussões: o cinema brasileiro e o público. Edição, aliás, fundamental
à qual convidamos o nosso leitor que faça uma leitura urgente,
pois a artigos abrangentes, enfáticos e emocionados, soma-se uma
série de entrevistas de rara lucidez (entre escolha de perguntas
e expressão dos entrevistados) sobre a realidade do mercado de
cinema no Brasil, e das possíveis alternativas a ele.
Do assombro e angústia que nos tomavam com os
dados do mercado, esta coincidência de datas e assuntos com a
Contracampo (de cuja pauta, mesmo contando com um texto de um
de nossos editores e uma entrevista com um redator cinético, desconhecíamos
a totalidade do conteúdo e a data de entrada no ar) acaba servindo
como um alívio, por mostrar que aqueles que levam muito a sério
o audiovisual no pais estão trabalhando em uníssono – e é sempre
melhor e mais efetivo brigar sem estar isolado. E, mais importante
ainda, nenhuma das duas redações opta pelo derrotismo, pelo oposicionismo
sem propostas, pelo balcão de reclamações: são textos e discursos
cheios de energia, de desejo de mudanças, de proposições de cinema
– de vida, enfim.
Tomara que nossos leitores, que esperamos que
se importem com o cinema e o audiovisual brasileiro tanto quanto
nós, optem também por tomar partido e entrar de cabeça nesta que
se apresenta desde já como a próxima grande batalha de quem ainda
acredita que nem tudo no Brasil precisa ser resultado de ações
inconseqüentes e auto-centradas.
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