Atropelamentos críticos por
Cléber Eduardo e Eduardo Valente A percepção
crítica tem que ser obrigatoriamente atravessada pela experiência do crítico.
Por exemplo: já faz algumas tantas semanas que, na atividade de curador-geral
da Mostra de Tiradentes, o editor Cléber Eduardo vive segundo o manual verde e
amarelo dos pauloemilianos ortodoxos: vendo apenas filmes brasileiros, de curta
e longa duração - captados em mini dv, câmeras profissionais de video, assim como
no resistente 16mm e no já luxuoso 35mm. Não se sai desse processo, vivido intensamente
nos últimos dois meses, sem ser marcado pelos efeitos. O contato com o volume
quase selvagem de imagens, que chegam aos olhos de formas as mais diversas e apontando
câmeras para situações de todos os tipos, certamente motiva pensamentos ainda
não formulados e estimula futuras reflexões. Há um novo contexto de realização
no audiovisual brasileiro se tomarmos como comparação os anos 90? Há um outro
cinema? Quais seriam estes? Enquanto o editor-curador lidava
com um grande volume de primeiros longas (a maioria em vídeo; a maioria, documentários;
alguns com enorme empenho em construir uma linguagem na paralela dos códigos),
dois outros editores de Cinética, Eduardo Valente (também ele curador, de curtas,
em Tiradentes) e Felipe Bragança, se preparam para entrar no set para dirigir
pela primeira vez um longa-metragem – experiência essa, a de realizadores e críticos,
que será em breve tratada sem meias palavras aqui em Cinética (tendo em vista
que o número de críticos que filmam e diretores que são críticos é cada vez maior).
As preparações para seus longas de estréia, essa circunstância
tão constante hoje no cinema brasileiro, certamente integram a formação crítica
de Valente e Bragança. Lidam com o que escreveram, com o que viram, com o que
querem ver. Rogerio Sganzerla, citando Godard, diz em uma entrevista ao Jornal
do Brasil, em 1966 (logo após ter passado da crítica para a realização), que filmava
com a máquina de escrever: nunca diferenciou o escrever sobre cinema do escrever
cinema. Há diferenças sim, como devem saber Bragança e Valente, mas os processos,
de amplas formas, se complementam e se influenciam. Voltaremos ao tema, em breve. *
* * As viradas de ano são marcos convencionais nos quais
o mercado, os prêmios, os festivais e os críticos se apóiam para organizar o fluxo
das informações no tempo. Diante desse momento de virada, nos perguntamos, tentando
olhar os últimos 12 meses em conjunto e em suas especificidadades: o que aconteceu
no cinema e no audiovisual em 2007? O que descobrimos? Que sequências mais nos
marcaram? Que características de cinema mais nos marcaram? O que mais nos desafiou?
Essas perguntas começam a ser colocadas entre nós para não deixar de pensar nossa
contemporaneidade em suas relações e hibridizações, que podem estar presentes
tanto em maneiras rarefeitas de se associar as imagens, como temos visto na produção
em película e em vídeo de alguns diretores (alguns de dois Estados especialmente
– Minas Gerais e Ceará), como podem ser encontradas em uma forma de olhar o cinema
de seus diversos ângulos. Se o desejo que havíamos anunciado
no editorial passado, de olhar um pouco mais calmamente e com distanciamento para
os filmes do Festival do Rio e da Mostra de SP, acabou sendo “atropelado” pela
realidade dos outros compromissos (curadoria, pré-produção de longas, convite
para Santa Maria da Feira), a virada do ano pode ser o motivo para retomarmos
a idéia deste olhar mais completo para a enxurrada de imagens e sons. Isso, claro,
até sermos atropelados de novo – perspectiva esta que, de fato, não nos assusta
nem um pouco, já que sempre quisemos ser uma revista em movimento, abraçando o
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