Mudanças de rotina
por Fábio Andrade
O afastamento recente de Eduardo Valente, co-editor
e um dos fundadores da Cinética (que aceitou um convite
para assumir um cargo na Ancine, e com isto precisou se desligar
de suas outras atividades cinematográficas), serve como
motivação para que a revista seja repensada por
dentro. Mais do que desejar boa sorte ao amigo na nova empreitada
- algo que já tivemos chance de fazer individualmente -,
o acontecimento pediu uma reestruturação abrupta
do corpo editorial da revista, que começa a partir desta
nova edição. Que o "abrupta" não
seja mal compreendido: em uma revista que tem o peso exato das
possibilidades voluntárias de seus colaboradores, a necessidade
de mudanças e adaptações é, de fato,
mais uma condição cotidiana do que um desvio do
destino. Mas, com a saída de Valente, esperamos que a revista
possa assumir um desejo de cinema que, embora já estivesse
em sua formação original, hoje, após três
mudanças de editoria e uma mobilidade frequente na redação,
toma vias naturalmente distintas. Em termos práticos, seguirá
o acima assinado responsável pela editoria da revista -
mas agora com o apoio importante de um novo conselho editorial,
formado por Juliano Gomes, Luiz Soares Júnior e Rodrigo
de Oliveira.
Não deixa de ser revelador que, entre os quatro nomes hoje
à frente da editoria da revista, nenhum deles estivesse
na Cinética em seu projeto de fundação. Isso
é o anúncio de uma obviedade que tentamos assumir
com consciência e instrumentalizar: a revista é o
que são seus textos, e ela passará necessariamente
por transformações pelo simples motivo de outras
pessoas, com sensibilidades diferentes, estarem participando mais
ativamente de sua concepção. Existe, porém,
um respeito e um reconhecimento à história da Cinética
que ajudamos a escrever, e o desafio não é romper
com isso, mas sim ampliá-la, simplesmente porque nós,
o cinema e o mundo, mudamos todos. Se nos últimos editorais
já apontávamos aqui um desejo de uma relação
mais propositiva com o cinema, este trabalho - que era uma ambição
e um plano da editoria conjunta com Eduardo Valente - começa
a de fato ganhar corpo e apontar para caminhos possíveis
no futuro próximo da Cinética.
E há melhor maneira de fazer isso do que com textos?
Nesta edição, o esforço mais notável
vai para a pauta voltado ao cinema Hou Hsiao-hsien, com seis artigos
inéditos de quatro autores diferentes, além da republicação
de outros cinco textos que alguns de nossos redatores escreveram
para o catálogo da mostra realizada há cerca de seis
meses pelo CCBB (textos que foram gentilmente cedidos para republicação
pela editora do catálogo, Luísa Marques, e pelo organizador
e curador da mostra, Eduardo Cerveira - e a eles vão nossos
agradecimentos). Além disso, um texto de Francis Vogner dos
Reis volta a olhar para o cinema brasileiro recente por meio de
dois filmes: Os Residentes, de Tiago Mata Machado, e Santos
Dumont Pré-Cineasta?, de Carlos Adriano. Embora ambos
os filmes tenham, há não muito tempo, suscitado críticas
na revista, é essencial retomar esses filmes fora da ótica
das coberturas específicas de festivais. Se o texto sobre
o último Cine Esquema Novo já partia de um festival
para apontamentos panorâmicos sobre a produção
recente, recortes deslocados como o do texto de Francis Vogner dos
Reis e a retomada de Estrada para Ythaca em uma nova
crítica por Raul Arthuso, sacramentam a prioridade da
revista em um trato, sempre que possível, plural e expansivo
com o cinema brasileiro.
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também nossos editoriais anteriores.
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