em processo Amadurecendo
jovens personagens Marcelo Gomes, diretor
de Cinema, Aspirinas e Urubus, fala sobre seus novos projetos
por Leonardo Sette A
idéia é falarmos do que você está preparando, do que está fazendo agora... Em
que projetos está envolvido?Há
8 anos fiz uma viagem com Karim Aïnouz pelo sertão em que a gente documentou várias
coisas e em seguida fizemos um média-metragem que se chama Sertão de Acrílico
Azul Piscina. Agora a gente vai transformar esse material num longa, estamos
roteirizando para entrar na montagem, semana que vem começamos a montar. É um
projeto antigo, que vamos finalizar agora. Estou também envolvido em outro projeto,
com Cao Guimarães, que se chama O Homem das Multidões, e que faz parte
da trilogia da solidão que Cao começou em A Alma do Osso (2004) e continuou
em Andarilho (2007). Agora ele quer fazer o terceiro filme, que é uma ficção,
uma ficção urbana, sobre solidão, e me convidou para escrever o roteiro com ele
e dirigir, porque ele gosta muito do Aspirinas (Cinema, Aspirinas e
Urubus, 2005). Ele vai trazer um pouco da experiência dele como videoartista
e documentarista, eu vou trazer um pouco da minha como diretor de ficção e diretor
de ator, e a gente vai juntar isso. Estamos desenvolvendo o roteiro agora, para
filmar talvez no ano que vem, se tiver dinheiro. Tudo é “se tiver dinheiro”. Mas
sobre esses filmes não vejo muito sentido em falar sozinho, prefiro falar junto
com cada um deles, dos co-diretores. Aqui em Recife, o projeto em que estou concentrado
tem como título de trabalho Era uma vez Veronika. Esse projeto começou
lá atrás, quando eu estava fazendo o Aspirinas. O meu cinema, o cinema
que gosto de fazer, é um cinema muito de personagens; o Aspirinas é um
filme muito de personagens, existem dois personagens na frente da câmera o tempo
inteiro. E o Aspirinas era um filme de época, sobre dois homens vivendo
uma aventura no sertão. Eu queria fazer um filme que fosse algo extremamente oposto
a isso, para ter uma experiência de trabalhar com outros tipos de personagens,
que vivem em outro tipo de realidade. Tinha muita vontade
de fazer um filme sobre os jovens brasileiros, jovens não muito jovens, média
de 23-25 anos, que vivessem uma realidade urbana no Brasil. Acho que queria fazer
um filme que não tive quando tinha 23-25 anos, que encontrasse a minha vida, os
meus dramas, o que eu sinto do Brasil, a dor e a delícia de morar no Brasil, a
dor e a delícia de ser jovem no Brasil, os dilemas profissionais, existenciais
e afetivos. Acho que eu nunca vi esse filme e tive vontade de fazer algo que retratasse
essa geração, e com essa realidade urbana sendo o Recife. Porque eu tinha muita
vontade de fazer um filme ficcional no Recife. Já filmei ficção aqui, mas era
“de época” (o curta Clandestina Felicidade, de 1999). E
assim surgiu a idéia, que partiu de um conto que escrevi. E quando acabei de escrever
esse conto, conheci uma garota, Cristiane, que escreve contos de forma amadora,
não é escritora profissional, e gostei muito dos textos que ela escreve sobre
a realidade dela aqui no Recife. E aí utilizei alguns desses contos, ou alguns
episódios dentro de pequenos contos, para também ilustrar o meu personagem. Então
é um filme que é um roteiro original meu, inspirado um pouco nos contos de Cristiane
Bezerra. É um roteiro sobre o Recife que começou em Berlim, quer dizer, no exílio.
(foto acima: material de pré-produção do projeto) Berlim
era uma residência ? Era uma residência cultural do DAAD em que fiquei
seis meses e foi onde comecei a estruturar a idéia do Era uma vez Veronika.
Em Recife, estou desde janeiro concentrado no projeto. A primeira vez que mandei
para um concurso foi para o Funcultura (Pernambuco), e ganhamos um prêmio de 200
mil reais, que não dá para iniciar a produção, mas já é algum alento. Aí continuei
trabalhando no roteiro, achei que estava precisando estar mais envolvido com a
realidade, então vou muito aos bares dos jovens entre 23 e 25 anos no Recife,
que é uma forma de entender até mesmo a geografia dos ambientes que esses jovens
freqüentam. Depois decidi fazer uma coisa mais radical, entrevistei 25 mulheres
da idade do meu personagem, longas entrevistas de 2 horas, que pareciam mais sessões
de psicanálise. Foi muito bom porque eu já estava na segunda ou terceira versão
do roteiro, então é você pegar algo que é construído no laboratório e colocar
esse personagem de laboratório diante do mundo real. Você
falou do trabalho com Karim e agora desse personagem... Me veio à mente Suely. O
Céu de Suely (2006), na verdade, é inspirado num fato real, num conto de cordel,
o Karim gosta muito desses contos factuais, estes faits divers. No meu
caso, o que originou o projeto foi querer fazer um filme sobre os jovens, sobre
mim mesmo, sobre jovens de classe média. Nesse aspecto é completamente diferente
do filme do Karim, que trata de uma jovem de uma classe bem menos privilegiada,
enquanto nesse meu novo trabalho são jovens de classe média, universitários, deixando
a universidade, urbanos. E tem o mar, e essa relação com o mar, que é exatamente
o contrário dos meus personagens do Aspirinas, que têm uma relação com
o sertão. Esses têm uma relação com o mar, com o urbano, com a noite, têm uma
reflexão próxima da que eu tinha aos 25 anos, então é diferente da Suely. Mas
ao mesmo tempo trata de uma mulher, e esse é talvez o ponto em comum. A
faixa etária também, talvez. É, talvez, um pouco. Na
verdade não sei qual seria a idade da Suely, acho que a minha é um pouquinho mais
velha. Senão mais velha, um pouco mais amadurecida. Os temas que vão surgir são,
digamos, mais existenciais, mais na linha de Mônica e o Desejo, do Bergman,
por aí, mais existencialista, mais A Noite, do Antonioni. O cinema europeu
desse período é um cinema de que gosto muito, o cinema do Godard, do Antonioni,
dessa época, é muito inspirador. E é muito inspirador nesse filme, que talvez
seja até filmado em preto e branco. Em que fase do trabalho
você está agora? O segundo tratamento ficou pronto e
foi esse que coloquei no concurso da Fundarpe (Funcultura-PE). Terminei as entrevistas
e agora estou partindo para um roteiro mais maduro, que é a terceira versão, para
colocar no edital da Petrobras. Porque para você fazer um filme de longa-metragem
de ficção, que tenha uma certa estrutura de produção grande, você tem que ter
Petrobras, BNDEs e Funcultura. Se você não tem os três você não consegue, porque
o Funcultura daqui é muito bacana mas não dá um prêmio, por exemplo, como o que
tem em Porto Alegre, que é só de 2 em 2 anos, mas no qual dão 1,5 milhão para
três longas. Porque com 1,5 milhão pelo menos você filma, não é? Aqui é diferente,
eles disseminam muito os prêmios: eu ganhei 200 mil, e com 200 mil não dá pra
fazer muita coisa. Qual o orçamento do filme? Acho
que está em 2,8 milhões... João (o produtor João Jr.) é quem sabe disso bem. Não
é um filme caro, talvez seja filmado em 16mm, se passa todo no Recife contemporâneo.
Eu quero selecionar atores daqui, já comecei também a fazer um trabalho de casting,
de pesquisa de casting. Comecei a fazer esse trabalho documental, com essas
meninas, que está me dando um respaldo muito bacana, até para reafirmar coisas
que já tem no roteiro. Mas essas entrevistas também são
para casting ou somente para alimento do roteiro? Não,
é só para alimentar o roteiro, como uma pesquisa. Eu selecionei 25 jovens que
vivem esse mundo urbano do Recife, da mesma faixa etária, da mesma classe social,
universitárias ou pós-universitárias. Então foi um subsídio bacana para o roteiro,
eu gosto sempre de fazer isso, gosto muito de fazer pesquisa para o roteiro. E
agora vou partir para o terceiro tratamento, um tratamento mais maduro, a partir
dessas entrevistas, a partir de uma pesquisa maior que fiz. Atores,
não-atores? Nisso eu acho que vai ser muito parecido
com o Aspirinas, porque vai ser uma mescla de atores e não-atores, a maioria
desconhecidos, talvez todos eles desconhecidos, como no Aspirinas, até
porque esse filme se passa muito na rua... Imagina, não posso colocar uma Glória
Pires no meio da rua no Recife (risos)! É muito de rua, o filme é de rua, quanto
menos atores conhecidos melhor, porque você pode também “roubar” planos... Falando
nessas escolhas de fotografia, de talvez fazer o filme em preto e branco, de “roubar”
planos, você já sabe se vai trabalhar novamente com Mauro (Pinheiro Jr.)? Penso
em trabalhar com a mesma equipe. Foi um casamento muito feliz com Mauro, com Marcos
Pedroso (direção de arte), com Karen Harley (montagem). O João Jr. e a Sara (Silveira)
são (novamente) os produtores. E é isso, estou nesse processo, vou desenvolver
outro roteiro, colocar no edital da Petrobras, tentar uma co-produção lá fora
a partir do sucesso do Aspirinas (foto de making of acima). Quando
conseguir dinheiro para filmar, começo então esse longo trabalho de reflexão novamente
do roteiro. Depois, testes de elenco, muitos testes, até escolher o elenco completo
e, a partir daí, um longo período de ensaio. Aí, começar a filmar. Quando? Tem
umas cenas do filme que se passam no carnaval e eu queria filmar no carnaval de
2009 ou 2010. Ou seja: se a gente consegue o dinheiro ainda esse ano, começamos
com as primeiras cenas no carnaval de 2009, e aí o resto da filmagem fica pra
março e abril. Se a gente não consegue, fazemos o contrário, deixamos o carnaval
por último, no outro ano. Então é isso, depende do dinheiro. Com o Aspirinas
eu passei 7 anos, pode ser que esse eu só filme em 2014, quem sabe (risos)? Mas
o fato de o Aspirinas ter tido uma carreira tão bem sucedida, de ter estado
na Un Certain Regard e de ter recebido o prêmio em Cannes, entre outros,
não ajuda a produção do novo filme? Ajuda sim, um pouco.
Especialmente nas reuniões, porque tem mais gente interessada no seu próximo filme,
querem saber o que você está fazendo, como é o filme, principalmente lá fora.
Mas, assim, até agora não senti nenhum resultado concreto do tipo “ah, você fez
o Aspirinas? Vou te dar 1 milhão de reais...”. Porque é difícil,
cada dia é mais difícil ter dinheiro para fazer filmes... Porque eu também não
fiz Batman, né? (risos) E você já pensa em locações
específicas? Eu tenho dois amigos fotógrafos, Fred Jordão
e Gil Vicente, que já trabalhavam comigo nos meus outros filmes, fotógrafos de
still, que estão fazendo um mapeamento da cidade. Eu fiz uma referência
de coisas que quero no filme, tipo de arquitetura, de universo, e eles estão fazendo
uma pesquisa fotográfica pra mim. O Taveira, que
também é uma cara daqui, está fazendo pesquisa de elenco. E aí fiz essas entrevistas
com as meninas, aqui no estúdio da REC. Então essas coisas
vão se juntando, para que lá na frente eu comece a fazer o desenho do filme mais
amadurecido, e também essas fases de roteiro vão se sobrepondo, vão dando mais
consistência à idéia. O Aspirinas surgiu, pelo
menos o enredo, de uma história... Do meu tio-avô. Bom,
o filme levou 7 anos de preparação então imagino que você seguiu trabalhando no
roteiro até o fim... É... Mas se juntar tudo, todo o
período em que trabalhei no roteiro, talvez dê um ano. Eu trabalhava um mês aqui,
deixava um tempo abandonado, não tinha dinheiro... Aí voltava, trabalhava um mês
ali... Foi um trabalho sempre esporádico, não foi assim, pegar 6 meses e passar
6 meses trabalhando no roteiro. E nesse processo de trabalho
no roteiro do Aspirinas, o que há de próximo ou diferente do trabalho agora
no novo filme? Acho
que o que há de próximo é querer fazer um cinema de personagens, isso é o essencial.
Ir fundo na alma do personagem, descobrir seus anseios, seus desejos. E fazer
um filme que narre esses anseios e esses desejos mais do que uma narrativa, mais
do que uma história para contar. Eu acho que nisso os filmes são bem semelhantes.
O que importa mais no Aspirinas, eu acho, é o percurso dos personagens,
mais do que o que acontece em termos de início, meio e fim. Acho que o
percurso e as experiências que eles vivenciam é muito mais interessante do que
o plot, a narrativa, então acho que nisso os dois filmes vão ter muita
coisa em comum. Investigar os sentimentos dos personagens mais do que a construção
de uma narrativa. Porque narrativa é uma coisa que não me interessa muito, mas
personagem é uma coisa que me interessa muito. E todo personagem tem um processo
narrativo, toda a vida da gente é narrativa, não é? As coisas acontecem. Mas elas
não precisam acontecer de uma forma, vamos dizer, hollywoodiana. O não
acontecer nada é também acontecer muita coisa. Então acho que isso os dois filmes
vão ter em comum. Na verdade, apesar de ser muito interessante
isso que você fala e que não dá pra dissociar uma coisa da outra, eu estava perguntando
mais sobre o que mudou no processo mesmo de trabalho de confecção do roteiro,
se é que algo mudou. Que pergunta... Nunca tinha pensado
nisso... Porque entre o Aspirinas e o Veronika,
eu trabalhei em dois outros roteiros, o de A Casa de Alice
(2007), do Chico Teixeira e o de Deserto Feliz (2007), de Paulo Caldas.
Mas fazer colaboração num roteiro é diferente de ser um roteiro seu, porque tem
aquela coisa da Casas José Araújo, aquela propaganda que tinha aqui: “quem manda
é o freguês” (risos). O freguês é o diretor, e você tem às vezes umas idéias e
o diretor diz: “não, não quero ir por aí, eu quero ir por esse outro caminho”.
E aí você entra no barato, na vibe do diretor que vai fazer o filme. São
processos maravilhosos, foi assim no Madame Satã, com Karim. Mas não é
você que vai dirigir, então tem um momento em que você tem que entender qual é
o barato do diretor e ir em frente nesse barato. E são processos ótimos. Agora,
o que mudou, assim, em relação a mim, o filme que eu vou dirigir, eu acho (pensativo)...
Acho que tenho mais experiência mesmo, no processo de roteirização. No Aspirinas
acho que eu demorava muito de um tratamento para o outro, demorava para dizer
“espera um pouco, isso não, eu não acredito nisso, não gosto disso”. E como eu
não tinha nada melhor no momento, eu deixava aquilo, entende? Vamos dizer, no
Aspirinas eu fiz 15, 17 tratamentos, até chegar ao tratamento de que eu
realmente gostava. Talvez nesse eu precise de menos, porque acho que a gente fica
mais criterioso com a experiência e sabe que tem coisas que você colocou ali que
são como bengalas do roteirista. “Vamos colocar isso porque não sei como sair
daqui, mas eu não gosto disso”, entende? Porque tem tanta coisa, e é um mundo
inteiro de 2 horas que você está construindo, que você fica louco. Aí tem uma
hora em que você precisa dessas bengalas. E eu acho que também
a experiência com o personagem (diferente do trabalho no Aspirinas), e
também essa idéia da necessidade de uma pesquisa longa antes. Meu tio-avô estava
vivo, então a pesquisa estava lá. No caso do Veronika eu fui atrás de pessoas
que têm uma vida semelhante à dela, para entender um pouco o que passa na cabeça
das pessoas. Mas, também, independente do processo de pesquisa, é importante nunca
se distanciar do que você quer com esse filme, e essa é a coisa mais complicada.
Assim: “qual é o assunto do seu próximo filme? Qual é? É esse? Por que é esse?
Por que você escolheu esse?”. Escolher o tema do próximo filme é que é realmente
a grande questão. E quando você soube que tinha escolhido? Foi
quando estava filmando o Aspirinas. Falei: “meu próximo filme não vai ser
um filme de época, não vai ser um filme no sertão, não vai ser um filme sobre
homens, vai ser tudo diferente!” Dizia para a equipe de filmagem: “Olhem, no próximo
filme a gente vai passar a semana toda na praia, vai ser na praia.” Era uma brincadeira,
mas uma brincadeira que tinha um tom de verdade muito grande, eu queria viver
outra coisa, vivenciar outra coisa. E acho muito bom, não me preocupo muito em
querer construir uma carreira de cinema em que os filmes se pareçam muito, estejam
muito numa linha, numa geografia, ou num tipo de personagem. Quero investigar
vários tipos de personagens. Então
acho que surgiu isso exatamente no momento em que eu estava filmando o Aspirinas,
me bateu essa necessidade de voltar para o meu... pra minha experiência enquanto
jovem. Tudo bem, o Ranulpho e o Johann são personagens
que têm os mesmos dilemas que a gente tem hoje em dia: se vou morar aqui, se vou
morar lá, o que é que estou fazendo aqui, por que migrar... São questões muito
atuais as desses dois personagens, apesar de viverem nos anos 40. Mas eu queria
uma experiência urbana, uma experiência urbana muito próxima de mim. Olhar esse
Brasil urbano, porque olhar esse Brasil urbano é também entender a gente melhor,
me entender melhor. Isso é outra coisa que acho fundamental quando você escolhe
o tema para o filme : tem que ser algo que de uma forma ou de outra você não entenda
direito, que você tenha dúvidas sobre aquilo e você quer se entender melhor, enquanto
ser humano, enquanto existência. Não fazer um filme porque se eu fizer um filme
sobre esse assunto pode ser que atinja um tipo de público tal, que pode dar 1
milhão de espectadores. Não nesse caminho, mas num caminho que me ajude a entender
o que eu não consigo entender. E essa coisa das fotos
das locação, com Fred Jordão e Gil Vicente, como acontece esse trabalho? Primeiro
a gente está olhando o material de arquivo deles. É assim: “eu quero que ela more
numa casa que seja de uma forma ou de outra um
microcosmo das contradições de uma cidade como o Recife”. Então ela mora num prédio,
na frente dela tem outro prédio, de um lado tem um prédio e se ela vira pra cá...
tem uma favela. “Eu quero que esse universo esteja presente nas janelas da casa
dela”, por exemplo, então eles vão pesquisar na cidade onde é que eu teria uma
locação como essa pra filmar. Porque eles têm uma experiência de fotografar o
Recife de 10 ou 15 anos, então podem achar isso mais facilmente. É lógico que
todo o tempo em que estou em Recife estou olhando: “quero filmar isso, quero filmar
aquilo...”, e até cenas que vejo na cidade. É uma coisa muito bacana, que já fiz
com eles em outros filmes, funciona muito bem. E Mauro
já tem algum tipo de atuação nessa etapa? Não... Bom,
lógico, eu mando o roteiro para ele ler, ele lê e fala coisas... Mas
no aspecto de locação visual ainda não. Não, não. Quando
a gente tem dinheiro pra filmar, a gente traz a equipe, o diretor de fotografia,
o diretor de arte, e aí eu já fiz uma pré-seleção das locações. A gente lê o roteiro
junto, eu explico a função dramática de cada cena, porque aquela cena é a primeira,
porque aquela outra é a segunda, o que é que eu quero com essa cena, o que é que
move esses personagens. E a partir dessa análise, e dessa conversa que é primordial,
a gente vai visitar as locações que escolhi. E às vezes não é só uma, mas 2 ou
3, para decidirmos juntos qual será. Com eles eu faço a seleção final das locações,
e a partir daí a gente vai trabalhar no storyboard. Você
faz storyboard? Eu faço, mas não faço de todas
as cenas, e eu gosto de fazer storyboard porque... Às vezes eu uso somente
20% ou 30% dele, mas é o momento em que você pensa o filme pela primeira vez,
visualmente. Assim, se tem uma cena em que você está me entrevistando no filme,
por exemplo, aí eu falo “essa é uma cena onde o meu personagem está vivendo um
dilema muito complicado porque ele está sendo entrevistado, mas ao mesmo tempo
está pensando no chute na bunda que levou ontem, então ele está tenso...”. Então,
como é que vou representar isso? Aí eu vou pensar: vou botar a câmera aqui bem
próxima dele, das mãos dele, porque ele não pára de falar com as mãos, para mostrar
o nervosismo dele. Essa seria a idéia inicial que eu tenho de como registrar essa
cena, que às vezes é boa, às vezes é muito óbvia. Então eu gosto de fazer o storyboard
porque ele detecta também o que é o obvio, e como você pode ir além disso. E eu
acho que quanto mais você pensa em uma cena antes, mais você tem tempo para improvisar
na hora em que está filmando. E você mesmo desenha esse
storyboard? Alguém faz comigo, eu chamo um desenhista
e ele faz. No Aspirinas você fez? Fiz.
E é engraçado porque se você vê o storyboard, você vê o filme ali, lógico
que não é o filme, mas sei lá, você já vê uma idéia de espaços abertos, de tempos
lentos, está tudo ali, é muito engraçado. E tem música
no novo filme? Vai ser na mesma linha do Aspirinas,
uma longa pesquisa musical. Outra coisa que adoro fazer é pesquisa musical, só
que isso é mais pra frente, pra música ser parte da história. No
Aspirinas tinha toda uma coisa de época, são as canções da época, tocadas
até com a sonoridade técnica dos aparelhos da época, do rádio do carro... Nessa
pesquisa para o novo filme, você vai partir para música contemporânea? Eu
não vou adiantar isso aqui não, porque acho que é um dos baratos do filme, tem
uma brincadeira, de geração, em termos de música... Vai ser um filme muito musical. E
você tem filmes como referência? Sim, filmes que têm
uma relação direta com meu gosto, por exemplo, Mônica e o Desejo, A
Noite, mas também filmes antigos do Recife, para ver como as pessoas registravam
a cidade, até filmes como A Filha do Advogado (1926), que é outra época,
mas é engraçado, dá um barato. Documentários filmados em Recife, isso é muito
bom, abre a cabeça, e abre a cabeça principalmente para as dificuldades, você
fala: “e agora, como é que eu vou filmar isso?” (risos).
(foto de pesquisa feita pelo cineasta)
E nesse sentido, da
representação de Recife na tela, como você pensa em lidar com os clichês, que
são tantos? Digo, quais as imagens de referência? Você falou da praia... Eu
acho que vai ser um Recife... Aí é que vai ter uma relação muito grande com o
Aspirinas, vai ser o Recife do personagem, como é o sertão do Ranulpho
no Aspirinas. Mas você já sabe onde ela mora na
cidade? Ela mora numa área de classe média que tem uma
relação direta com a favela. Vai ter o centro do Recife, vai ter a Zona Sul...
Só que a preocupação será sempre o foco no personagem, sem uma necessidade de
dizer : “olhem, isso é a Zona Sul !”. Eu não quero re-tra-tar (enfatiza) o Recife. E
agora você vai pra São Paulo, trabalhar com Karim, é isso? É,
na montagem do nosso filme, depois para Belo Horizonte trabalhar com Cao no Homem
das Multidões. Depois volto para Recife para seguir com o Veronika. Mas o filme com
Karim chegou a ser exibido, não? Sim, o Sertão de
Acrílico Azul Piscina, um média, mas agora a gente vai transformar ele numa
ficção. Vamos pegar o material do documentário e transformar numa ficção. E
vão filmar mais coisas? Não. A gente vai reescrever tudo
para uma ficção, o que está sendo um trabalho maravilhoso de fazer, um exercício
de linguagem fantástico. Pegar as mesmas imagens e usar como se fosse uma ficção.
Estamos no processo de finalização do roteiro e entramos na ilha de edição agora
em setembro. Setembro de 2008editoria@revistacinetica.com.br |