olho no olho Aurora
em palavras Entrevista proposta por
Cléber Eduardo, curador da 11ª Mostra de Cinema de Tiradentes, aos diretores com
longas na Mostra Aurora por Cléber Eduardo
Quais suas visões muito pessoais para o cinema
brasileiro de longa metragem de agora, de 2007/2008, mas levando em conta o que
viram da produção desde 2000? Petrus Cariry –
diretor de O Grão (CE, 2007) Nesta
nova fase do cinema brasileiro, o realizador precisa se arriscar mais para buscar
uma verdade pessoal. Também é importante que seja desenvolvida uma linguagem estética
brasileira, mesmo que esse cinema esteja antenado com o cinema contemporâneo mundial.
Acho que o grande desafio da minha geração é buscar alguma originalidade nesse
caldeirão de influências que é o cinema brasileiro atual, com imagens e estéticas
vindas de todos os lados, e fazer um cinema que interesse como processo criativo
e não como mero resultado de “efeito”, a exemplo do cinema comercial norte-americano,
um cinema raso de idéias e esgotado em suas formas. A minha tristeza é que alguns
dos maiores blockbusters brasileiros tem essas características: parecem cinemão
norte-americano do tipo B. Gustavo Spolidoro – diretor
de Ainda Orangotangos (RS, 2007) Num panorama geral, nossos longas
carecem de identidade. Não falo de uma única identidade, mas justamente daquela
que provém da individualidade. Talvez isso seja decorrente da tentativa do comercial,
ou da prisão da captação via leis... Mas com a ampliação dos concursos e do circuito
digital, passamos a ver outras formas e outros filmes. Zé Eduardo Belmonte e seus
Subterrâneos e A Concepção são destaques e raridades nesse panorama.
Cao Guimarães, a galera de Conceição e muitos outros que vêm
lutando com suas próprias forças estão abrindo novos horizontes. Dentre os filmes
feitos com altos recursos, eu destaco dois grandes trabalhos recentes: Não
Por Acaso, do Philippe Barcinski, e o veterano e incansável detalhista cinematográfico
Ruy Guerra, com O Veneno da Madrugada. Bruno Safadi
– diretor de Meu Nome é Dindi (RJ, 2007) Por
muitos motivos, acredito que este biênio 2007/2008 marca a erupção de uma nova
geração no cinema brasileiro. Uma geração pós-traumas das brigas do Cinema Novo
x Cinema de Invenção, pós-Embrafilme, pós-traumas do fim da Embrafilme, da luta
por uma retomada. Uma geração que, mesmo enfrentando problemas, tem, acima de
tudo, liberdade para refletir a Linguagem Cinematográfica. Esta geração da qual
faço parte se iniciou no final dos anos 90, início dos anos 2000, muitos (inclusive
eu) vindos de faculdades de cinema e realizando curtas-metragens. Entrando num
“mercado” com leis mais definidas, com editais anuais para a produção de curtas
e longas-metragens e com festivais de cinema que contribuem tanto para a exibição
dos filmes como para a troca de informações entre profissionais e público. Com
essa teia formada, esta geração aglutina teoria e prática, com condições tecnológicas
favoráveis tanto na captação como, cada vez mais, na exibição. A grande dificuldade
a ser vencida ainda é a distribuição. A produção aumentou, mas o espaço de exibição
não acompanhou esse crescimento com o mesmo vigor. O filme brasileiro briga com
o filme brasileiro. Outro fator altamente negativo que marca este tempo é o alto
valor do ingresso. Acredito que o povo ainda quer ver cinema, mas com certeza
não agüenta esse valor cobrado. A classe média também não agüenta. Esta geração
precisa resolver a questão da distribuição e exibição de suas películas. Rosanna
Foglia e Rubens Rewald – diretores de Corpo (SP, 2007) No primeiro
semestre de 2007 foi lançado um filme muito interessante, Cão Sem Dono,
que confirma a qualidade e delicadeza do trabalho de Beto Brant, um nome que com
certeza está se configurando como um autor original, desde 2000, com destaque
para O Invasor. No segundo semestre, houve o fenômeno Tropa de Elite
e, mais interessante ainda, uma desova de filmes de baixo orçamento. Destaque
absoluto para Via Láctea, projeto super original que não foi encampado
por nenhum grande produtor e não conseguiu o dinheiro necessário através dos editais.
Mesmo assim, foi filmado com pouco dinheiro e é uma legítima proposta de filme
de arte, atingindo um circuito internacional de festivais de primeira linha. Esse
fato aponta uma questão: na mesma medida em que estão surgindo novos diretores,
estariam surgindo novos produtores? Daniel Bandeira –
diretor de Amigos de Risco (PE, 2007) Do
ponto de vista criativo, percebi desde 2000 um retrocesso paradoxal na produção
brasileira: multiplicavam-se as possibilidades de linguagem audiovisual (sobretudo
com a proliferação do vídeo digital), mas se afunilava o leque temático e estético
das produções. Acredito que boa parte dessa pasteurização se deva ao discurso
da busca do "público brasileiro de cinema" – discurso famigerado na
essência, pois parte de uma imagem de um público unificado, passivo (para não
dizer letárgico) e indisposto a consumir algo diferente da linguagem das telenovelas,
seu produto audiovisual de referência. O ano de 2007 ainda
não representou uma virada, mas sinalizou uma estranha movimentação desse público
desconhecido. Tropa de Elite não só desbancou em bilheteria algumas produções
da Globo Filmes como relembrou ao cinema brasileiro a força que o seu público
pode ter diante dos filmes – assim como a necessidade de se pluralizar para não
estagnar. Está aberto um caminho positivo para 2008, quando estão previstos os
lançamentos de diversas obras de cineastas de trajetória diferenciadas no curta-metragem.
É deles a expectativa de continuação de abertura do cinema brasileiro a um público
que ele apenas pensa que conhece. Kleber Mendonça Filho
– diretor de Crítico (PE, 2007) Avanços são inegáveis ao longo
da década em todos os terrenos, com especial interesse pessoal meu pelos documentários
e curtas metragens. No entanto, acho o cinema brasileiro, como um todo, em especial
nos longas de ficção, frustrantemente monocórdios tematicamente, e são poucos
os filmes que investigam universos pessoais, sem a preocupação de trabalhar conceitos
graúdos. Percebo a ausência de uma produção que tenha valor pela importância dos
filmes em si, e não pela importância de estéticas e, em especial, temáticas. Nesse
sentido, me parece uma produção temerosa de andar sozinha e com o que aparenta
ser um medo de olhar em volta. A norma continua sendo filmar o exótico
distante do próprio realizador. Sem essa olhada ao redor, há uma tendência para
a falta de verdade ali na tela, o que, infelizmente, é algo que me chama muito
a atenção na nossa produção. Ivo Lopes Araújo – diretor
de Sábado à Noite (CE, 2007) Desde 2000 vi muitos filmes brasileiros
que despertaram em mim possibilidades de enxergar e sentir o mundo, e isso me
fez muito bem. Confesso que deixei de ver grande parte da produção por desinteresse
e também por estar em Fortaleza, onde não circula tudo. Mas mesmo assim a gente
corre atrás. Dos filmes mais recentes, gosto muito de O Céu de Suely, Cinema,
Aspirinas e Urubus, Santiago, Serras da Desordem, Crime Delicado
e Cão Sem Dono. Tem ainda vários que ainda não consegui ver. Em Tiradentes,
espero poder tirar um pouco o atraso. Muitos filmes têm sido produzidos e sei
que ainda vou ver muita coisa que vai me deixar desorientado. Ao
estrearem em longa, vocês se sentem impulsionados a afirmar ou negar algo em relação
ao conjunto da produção brasileira ou pelos menos ao conjunto de filmes mais vistos
e mais exportados? Petrus
Cariry – De minha parte não existe uma negação do cinema “palatável”, exibido
nos grandes circuitos brasileiros. Porém, é preciso que esse tipo de “cinema”
não seja tão sufocante que impeça o jovem realizador de conseguir rodar e distribuir
o seu filme com um mínimo de dignidade. Neste momento da minha vida e da minha
carreira, não tenho o menor interesse em produzir e dirigir um filme comercial,
no sentido vulgar da palavra, e ficar no meio do caminho, com uma distribuição
medíocre e fazendo mea culpa, dizendo que pensei em público mais amplo
etc. Faço o cinema que quero e este cinema autoral já começa
a circular em pequenos nichos internacionais e, mesmo aqui no Brasil, começa a
ser visto por um público pequeno, mas sempre crescente. Isto é tudo. Acho que
a grande crise do cinema contemporâneo é a busca por novas narrativas e formas
estéticas. O que eu procuro fazer é conjugar a estética a uma forma de narrar
que seja interessante para o filme e para a minha fruição estética no momento.
O uso do plano fixo, do plano-seqüência, dos tempos dilatados, da contemplação,
não me diz muita coisa se não forem usados com intuito de se narrar uma estória
que tenha profundidade, independentemente do dispositivo narrativo formal utilizado.
Não existem dogmas, existe apenas a vontade de se expressar artisticamente em
sua plenitude e sensibilidade. Gustavo Spolidoro –
Estou afirmando o meu tesão por tudo aquilo que o cinema me ensinou e que
não paro de aprender. Bruno Safadi – Ao estrear em
longas, espero sim, e acima de tudo, representar e renovar uma tradição fina e
constante na nossa cinematografia, que acredito ser o que há de melhor no nosso
Cinema Brasileiro. Uma tradição de Cinema Artesanal e de Invenção, que tem grandes
exemplos em quase todas as décadas: nos anos 20, com Aitaré da Praia, Fragmentos
da Vida, as imagens do Major Thomas Reis e as de Benjamim Abraão; nos anos
30, Limite, Mulher e Ganga Bruta; nos anos 50, Rio 40º,
Rio, Zona Norte, O Cangaceiro e O Grande Momento; e nos 60
com os grandes artesãos Glauber Rocha, Rogério Sganzerla e Julio Bressane. Quero
afirmar e renovar essa tradição de Invenção no Cinema Brasileiro. Talvez essa
tradição seja justamente o contrário do que buscou grande parte das gerações dos
80, 90 e primeira metade dos anos 2000, gerações apoiadas nos braços da publicidade,
do vídeo-clipe e da televisão. Acho que o trio de Recife – Cláudio Assis, Lírio
Ferreira e Paulo Caldas – foram os maiores representantes dessa última geração
que buscaram essa tradição de Cinema de Invenção no nosso Brasil. Rosanna
Foglia e Rubens Rewald – No nosso caso específico, já há uma negação, pois
ao trabalharmos o tema da ditadura, resolvemos de cara fugir do modelo da reconstituição
ou da adaptação literária, ambos tão em voga no cinema brasileiro. Estamos buscando
um processo de criação livre e único dentro do contexto local e contemporâneo,
isto é, a experiência da vida em
São Paulo no século 21. Não estamos preocupados em seguir ou rejeitar nenhuma
suposta tradição do cinema brasileiro, nem em seguir modelos estéticos bem sucedidos
em Cannes. No entanto, fizemos
escola de cinema (ECA/USP), vimos e discutimos muitos filmes, a história do cinema
brasileiro está no nosso DNA. Por exemplo, para construir nosso protagonista Artur,
pensamos muito em Paulo Martins, de Terra em Transe.
Para as duas jovens amigas do passado, nos relacionamos com as personagens femininas
de Matou a Família, do Bressane. Daniel Bandeira
– Não tenho interesse em negar a existência desse ou daquele tipo de cinema. Mas
acho particularmente nociva a noção de se fazer um filme sem alma ou cérebro com
a justificativa de se fazer um cinema "comercial". Ou um filme "autoral"
sem qualquer intenção de diálogo com o público. Deveria ser exatamente o contrário!
Na tentativa de evitar cair nas duas armadilhas, percebi que o mais importante
é dotar o filme de personalidade – e acabei definindo a ausência dela num filme
como a minha maior negação no cinema. Kleber Mendonça
Filho – Meu longa segue a linha dos meus curtas, uma linha quase que dolorosamente
pessoal. Aborda um tema que conheço de perto e que me incomoda há dez anos, por
ser reflexo direto do que faço na vida, que é ver filmes e fazer filmes, profissionalmente.
A questão humana me incomoda e me estimula e, na melhor das hipóteses, a sensação
do espectador em relação a esse filme, e a qualquer filme meu, é a de que só eu
poderia tê-lo feito, da maneira que foi feito. Ivo
Lopes Araújo – Como já disse, muitos filmes acabam passando batido e entre
eles vários desses mais vistos. Quanto a mim, não me sinto forçado nem a ver nem
a falar do que não vi. E quanto à nossa geração e se existe uma unidade que nega
ou exalta a produção brasileira, acho que no momento da realização dos filmes
isso não é tão consciente e que, quando essas produções isoladas são vistas juntas,
podemos encontrar relações entre os filmes que surgem a partir dos nossos reflexos em
relação ao mundo que compartilhamos todos ao mesmo tempo. Somos influenciados
pelas coisas boas e ruins, pelas quais escolhemos ou não passar, e nossos trabalhos
são reflexos disso. Trabalhos pessoais, realizados em uma mesma época, reagindo
ao mesmo mundo, e que acabam criando um corpo. É
mais fácil estrear hoje, em termos de condições materiais e novas formas de produção? Petrus
Cariry – As condições de produção e finalização de um filme, hoje, estão mais
fáceis e accessíveis do que há 20 anos. Com o advento do cinema digital ficou
mais viável a realização de um filme, com equipe reduzida e finalização em um
notebook, embora o processo de pós-produção ainda seja bastante caro. Acho
que o que mais preocupa aos jovens cineastas é a distribuição de seus filmes –
como fazer esses filmes circularem nas diversas tribos, nos diversos nichos, nas
diversas aldeias provincianas e globais. A Internet de certa forma democratizou
a forma de exibição com o You Tube etc. Alguma coisa nova, desconhecida, e ainda
não compreendida, está acontecendo. Esse novo tipo de distribuição
alternativa, para o produtor independente, pode ser mais rentável do que simplesmente
fechar um contrato leonino com as majors, que não têm nenhum interesse
em que essa nova cinematografia surja, circule e se insurja. A vitória das novas
formas de ver e significar o mundo é para elas perigosa. Vamos tentar distribuir
com unhas e dentes, de forma nova e criativa, os nossos filmes, mesmo sabendo
que é uma guerra desigual, demais até. Na praça, no You Tube, na Internet banda
larga, no DVD, no VCD, no circo, na feira... Vamos criar novas formas para que
os novos filmes encontrem aqueles que querem vê-los e desejam tê-los como alimento
do espírito. Gustavo
Spolidoro – No caso de Ainda Orangotangos, conseguimos realizar
um longa com R$ 1 milhão, valor do prêmio do Concurso de Baixo Orçamento do MinC.
Valor suficiente para termos um filme 100% da [produtora] Clube Silêncio. Mas
muitos filmes novos estão sendo feitos e finalizados digitalmente, com pouquíssimos
recursos e muita paixão. Acho que está aberta a porta para um novo paradigma no
cinema, que é a exibição digital. Essa realidade é irrefreável e é ela a responsável
e a possibilitadora de acreditarmos num cinema barato e viável. No Paraná já existe
um concurso para longas digitais, com R$ 150 mil de prêmio. A maioria dos festivais
no Brasil e Exterior exibe filmes em digital, em muitos casos nas mesmas condições
de competição que um longa com cópia de exibição em 35mm. Bruno
Safadi – Tenho opinião ambígua sobre o assunto. Acredito que há mais possibilidades
de produção e também de exibição. O digital veio para ficar, seja ao lado da película
ou solo. Contudo, acho que vivemos um momento de transformação em que ainda não
sabemos exatamente o que virá pela frente. Uma coisa é certa: hoje, a produção
aumentou. Entretanto, a distribuição está agonizando. O distribuidor não tem dinheiro
para investir num lançamento, o exibidor não acredita no filme e o filme brasileiro
briga com o próprio filme brasileiro por um pequeníssimo espaço, enquanto o cinema
norte-americano reina esmagadoramente. Além dessas questões, há um preço de ingresso
altíssimo que, junto a outros fatores, afasta grande parte da população do cinema.
Contudo, acredito que salas com boas projeções digitais podem baratear custos
e quem sabe tornar mais atraente para o exibidor construir mais salas, deixar
os filmes mais tempo em cartaz e, com um ingresso mais barato, fazer o público
voltar ao cinema. Rosanna Foglia e Rubens Rewald –
Um fato muito importante da produção recente tem sido o edital de Baixo Orçamento
do MinC, embora ele tenha se descaracterizado, pois em suas primeiras edições
ele era essencialmente para diretores estreantes. Isso possibilitou a passagem
de vários diretores do curta ao longa. Outro fato a se destacar é a tecnologia
digital, que sem dúvida barateia os custos de uma produção. Mesmo assim, a tecnologia
não é soberana, pois um filme depende do meio. Se um realizador resolve fazer
um filme totalmente independente, em digital, com uma equipe de amigos, a custo
zero, dificilmente ele vai conseguir finalizar seu filme em 35 mm (o que é necessário já que ainda não temos um
circuito digital estabelecido), pois ele não vai ser absorvido pelo meio, que
é extremamente fechado. Esse filme não tem sócios. Ninguém vai se interessar por
ele: nem colegas realizadores, nem produtores, distribuidores e nem mesmo a imprensa.
Ainda vivemos numa realidade fechada de produção, onde os sócios e padrinhos interessam
mais que os projetos. Daniel Bandeira – A tecnologia
digital oferece atalhos e alternativas para a estréia de filmes, mas o percurso
tradicional continua bastante restrito. Por mais popular que se torne, o 35
mm ainda é um formato poderoso de legitimação – um atestado de força e de crédito,
mesmo para o pior dos filmes. O digital facilitou o modo de produção, mas a distribuição
e exibição no Brasil continuam aferradas ao preconceito estético e à letargia
técnica e comercial. Kleber Mendonça Filho – Sim.
Daniel Bandeira é exemplo claro disso. Começou a rodar Amigos de Risco
com 26 anos, no Recife, longe do chamado eixo Rio-SP, trabalhando com os amigos,
cerca de R$ 45 mil e uma câmera digital. Crítico foi todo montado no segundo
quarto à esquerda do corredor, aqui em casa. A tecnologia de fato está dando voz
a quem, até 10 anos atrás, teria que entrar numa fila hierárquica regional. Ivo
Lopes Araújo – Hoje é possível fazer um longa metragem em digital com um custo
baixíssimo. Fica um pouco mais caro se finalizar em cinema. Isso acaba sendo uma alternativa barata de produção pra quem
vive nos grandes centros, mas pra quem vive em lugares distantes, onde nem câmera
de cinema tem, o digital acaba sendo a libertação. Tem um detalhe que acho incrível,
que eu não sei se está estritamente ligado ao uso do digital, mas que de alguma
forma se relaciona com isso, que são as novas formas de organização das equipes,
que vêm deixando de lado o sistema de produção mais usual e estabelecendo e experimentando
e desenvolvendo outros jeitos de se fazer cinema. Acho que o natural é que aos
poucos o digital também melhore nossas condições de distribuição e exibição e
acho que falta um pouco de esforço para que isso aconteça. Há
uma geração de diretores iniciados no longa nos anos 2000? Algo a caracteriza,
mesmo levando em conta suas diferenças? Petrus
Cariry – Cinema para mim é uma experiência transformadora, no sentido de ser
uma ferramenta com a qual você pode se comunicar com as pessoas, mas sem um discurso
fechado ou uma verdade suprema, coisas que sempre me cheiram a autoritarismo.
A única coisa que existe é a busca da verdade de cada um, como forma de pensar
o mundo e intervir na realidade. Acho que a nova geração de cineastas tem uma
vontade muito grande de quebrar barreiras, de ousar estéticas e de pensar cinema
de forma mais ampla. Se eu tivesse que apontar uma característica para esta geração,
eu diria que é o de não ter medo de se arriscar, de estar sempre buscando o intangível,
mesmo que seja um único plano que expresse a beleza do cinema em sua forma plena,
como arte. Tem muita gente boa, fazendo um novo cinema. Dentro de mais alguns
anos veremos o resultado. Gustavo Spolidoro – Espero
que nada a caracterize e que cada um possa manter a sua individualidade. Bruno
Safadi – Primeiramente, acredito que este ambiente muito favorável a que me
referi na primeira questão proporcionou o nascimento desta geração e, de certa
forma, a caracterizou. Um ambiente que, a meu ver, começou no fim dos anos 90
com o crescente número de faculdades de cinema, com as crescentes realizações
de curtas-metragens, com os Festivais e Mostras de Cinema, e com os editais anuais
de produção de curta e longa-metragem. Essas ações foram relativamente estáveis
e promoveram aos integrantes dessa geração cultura cinematográfica e prática de
realização. Duas partes fundamentais para a realização de películas inquietas
do ponto de vista da linguagem cinematográfica. Essa inquietude de linguagem está
diretamente ligada às novas formas de produção. As diferenças de cada realizador
são naturais, é do ser humano. Rosanna Foglia e Rubens
Rewald – Há um contingente crescente de realizadores, mas é difícil falar
em geração. Há uma diferença
muito grande em termos de idéias, projetos, temáticas e mesmo realidades de produção.
Há primeiros filmes produzidos por grifes como Conspiração, O2, Videofilme. Outros
seguiram caminhos dos editais. Outros ainda com parcerias internacionais. Outros
do próprio bolso. Tais diferenças de processos acabam criando diferenças estilísticas.
Por outro lado, a diversidade pode ser um traço desse período. Mesmo assim, pode-se
achar pontos em comum em muitos realizadores: Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, Roberto
Moreira e Chico Teixeira, Heitor Dália e Marcos Jorge, e por aí vai. A diversidade
também tem relação com a origem e formação do cineasta: fotógrafos que começam
a dirigir, atores idem, realizadores que vieram da publicidade, outros de escolas
de cinema, de regiões diferentes, com idades diferentes, sexos diferentes, enfim,
a diversidade está aí… Daniel Bandeira – Percebo dois
grupos se formando. Longe de parecer bairrista, mas o cinema pernambucano formou
uma espécie de núcleo muito representativo de um cinema que procura aliar a aridez
das relações humanas ao rigor técnico, resultando na boa fase de projeção internacional
do Cinema Brasileiro. Nesse núcleo estão Cláudio Assis, Paulo Caldas, Lírio Ferreira,
Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, que não é pernambucano, mas partilha elementos temáticos
em comum. Por outro lado,
a Globo Filmes também criou sua própria geração de primeiros cineastas, trazendo
para o cinema profissionais que já participavam das produções televisivas da casa.
Em comum a quase todos esses filmes, há uma sensação de extensão do produto televisivo,
que se propõe a oferecer mais do mesmo para o grande público. Kleber
Mendonça Filho – A geração que se iniciou no longa no início da década já
mostra-se diferente da atual geração desta segunda metade da década. Há 7 anos,
os modelos de produção ainda eram os tradicionais. Os de hoje são absolutamente
incomuns se os colocarmos numa perspectiva de tempo, indústria e tecnologia. Bruno
Safadi projeta seu primeiro longa em digital e scope, no Odeon. Eu faço meu longa
com uma câmera de 1 CCD, fotos digitais e imagens de domínio público baixadas
da Internet. O já citado caso Amigos de Risco, de Bandeira. A intimidade
com a tecnologia deverá reescrever os caminhos de um novo cinema, feito por jovens
que estão vindo para mudar substancialmente o que é dito, visto e filmado no Brasil. Ivo
Lopes Araújo – Acho que sim. Acho que são filmes simples que tratam das nossas
relações com o mundo de um jeito delicado e cuidadoso e acabaram abrindo possibilidades
encantadoras de ver o mundo hoje. Há diretores hoje
se expressando no curta que possuem projetos que vocês botam fé? Petrus
Cariry – Estou curioso para ver os trabalhos de longa duração dos seguintes
cineastas: Camilo Cavalcante, Armando Praça, Eric Laurence, Eduardo Valente, Felipe
Bragança e Marco Dutra. Esse pessoal faz um cinema ousado e diferente. Existem
outros, mas lembrei-me desses nomes, dos quais conheço os filmes e acompanho as
carreiras. Gustavo Spolidoro – Difícil falar sem citar
os projetos da minha produtora e dos meus sócios: Fabiano de Souza, com A Última
Estrada da Praia, já rodado, e Uma Estrada em Minha Casa e o Gilson Vargas com Paradeiro.
Tem um projeto que conheço há muito tempo e que torço para um dia sair da gaveta,
que é o do longa Sudoeste, do niteroiense Eduardo Nunes. Outros que prometem
belos filmes são o Dennison Ramalho, o Helvécio Marins Jr e o Camilo Cavalcante. Bruno
Safadi – Rapidamente me vêm à cabeça alguns diretores de curta-metragem que
já estão iniciando seus primeiros longas-metragens: Eduardo Valente (RJ), Felipe
Bragança (RJ), William “Jura” Cubits Capela (PE), Felipe Rodrigues (RJ), Camilo
Cavalcante (PE). Além desses, há dois diretores que estão com curtas-metragens
aqui na Mostra de Tiradentes que fazem cinemas muito sensíveis e que me entusiasmam
muito: o Fernando Coimbra (SP) e o Leonardo Sette (PE). Acho os dois curtas –
Trópico das Cabras, de Coimbra, e Ocidente, de Sette – dois grandes
filmes. O do Leonardo Sette, considero uma pequena obra-prima, uma jóia rara. Rosanna
Foglia e Rubens Rewald – Temos acompanhado a produção de São Paulo principalmente
e percebemos que os projetos de curtas mais interessantes têm vindo de pessoas
recém saídas das escolas de cinema. Podemos citar o Marco Dutra e a Juliana Rojas,
o Fernando Coimbra (que foi nosso assistente de direção), a Quelany Vicente, a
Andrea Midori, o Daniel Ribeiro, o Esmir Filho, a Vera Egito. Vale destacar o
papel da Cinefondation, que tem feito um trabalho importante a partir de
meados dos anos 90, valorizando o filme feito na faculdade e se empenhando em
descobrir uma nova geração. Aliás, dentro dessa perspectiva, estamos aguardando
o primeiro longa do Eduardo Valente. Aguardamos também a estréia da dupla Marcelo
Toledo e Paolo Gregori, com seu projeto Corpo Presente, que tem tudo para
ser um grande filme. Daniel Bandeira – Boa parte daquelas
pessoas de quem eu aguardava um projeto de longa-metragem estreou em 2007 ou deve
estrear em 2008, como Kleber Mendonça Filho, Gustavo Spolidoro, Phillipe Barcinski,
Bruno Safadi e Dennison Ramalho. Por enquanto, só espero haver um projeto do Fernando
Coimbra, que fez o Trópico das Cabras Kleber Mendonça
Filho – Esmir Filho, Daniel Aragão e Leonardo Lacca, para citar três. Ivo
Lopes Araújo – Há sim. Tem muita gente aí e eu boto muita fé. Acredito que
a interação entre essas pessoas é que vai fazer acontecer coisas incríveis. E
o melhor é que acho que essas pessoas estão super afim dessa interação. Em Fortaleza
mesmo tem muito gente que vem fazendo trabalhos incríveis, interagindo maravilhosamente
bem e que eu sei que ainda vão aprontar várias. Tem Alexandre [Veras], tem Armando
[Praça], que tenho certeza que quando fizer seu primeiro longa vai bombar de vez.
Tem o Danilo [Carvalho], que tá preparando um dos curtas mais lindos que esse
país já viu. Tem Fred [Benevides], Thais [de Campos], Ythallo [Rodrigues], Rubia,
Luiz e Ricardo [Pretti], Salomão [Santana] e ainda tem toda a turma da Escola
de Audiovisual com a tia Gláucia [Soares]. Tem Marcelo Lordello,
Gabriel [Mascaro], Tião e Leonardo Laca lá em Recife. Tem um movimento crescente em
João Pessoa organizado pela Ana Bárbara, Bruno [de Sales], Arthur [Lins] e a turma
da ABD. Tem o Felipe Bragança que já tá com o longa engatinhado, tem o Helvécio
[Marins] e a galera da Teia que me enchem de felicidade, e deve ter mais uma galera
fazendo coisas interessantes que eu não tenho visto. Agora é a nossa vez e eu
estou louco pra saber o que vai ser dessa safra meio digital que tá vindo por
aí. Janeiro de 2008 editoria@revistacinetica.com.br |