É Proibido Fumar, de Anna Muylaert
(Brasil, 2009) por Francis Vogner dos Reis
Das
dinâmicas entre personagens Os personagens de Anna
Muylaert são amantes de música que dançam fora de compasso
do ritmo do mundo. Vivem separados do mundo. Durval, em Durval Discos,
vivia numa loja-claustro ouvindo vinis em uma era que até os CDs estavam
próximos de sua decadência. Como o disco que era passível
de controle (muda-se o lado A para o B manualmente) o próprio cotidiano
de Durval e sua mãe também era controlado. Era uma prisão
da rotina que os aprisionou em uma bolha de tempo, o mundo lá fora que
se transformava era um problema, porque imprevisível. Em É Proibido
Fumar Baby (Glória Pires) é uma mulher de meia idade solteira
que vive em um apartamento antigo herdado da mãe e dá aulas de violão
em casa. Fuma muito, fica muito na janela, gosta de Chico Buarque e vive em conflito
com as irmãs que têm uma vida mais dinâmica do que ela. Sua
vida também é de repetição e imobilidade, como Durval.
A mudança de um vizinho músico (Paulo Miklos) para o apartamento
do lado mexerá com uma série de sentimentos, inclusive com o seu
vício do cigarro, símbolo de um cotidiano repetitivo e autofágico.
Tendo
isso em vista, mais uma vez a diretora transforma o espaço íntimo
(aqui, o apartamento) em centro nervoso e sintomático da condição
de sua protagonista. Diferente de Durval Discos não interessa a
dimensão e a imobilidade do lugar (o conflito vinha de fora pra dentro),
mas justamente, uma relação dinâmica de dentro do apartamento
pra fora e de fora pra dentro. Inclusive o modo como a diretora filma o apartamento
de Baby é mais dinâmico, acredita mais em desenhar uma geografia
interna do apartamento ao invés de impô-la pra câmera, como
em Durval Discos. É ai que essa dinâmica empregada por Muylaert
é problematizada, porque além de ser um admirável risco (pela
astúcia, pelo efeito dramático) por boa parte desse conflito se
dar de maneira velada, ela consegue integrar no espaço íntimo, até
então bastante fechado sobre si mesmo, a contradição do mundo
de fora. O pacto de silêncio entre os dois personagens pode até ser
amargo, e um pouco resignado, mas não é cínico. É
a tentativa de preservar a relação que nasceu entre os dois e a
consciência de que as coisas jamais serão as mesmas. Novembro
de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
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