cartas dos leitores
A esfinge Zidane

Cléber,
Simplesmente brilhante o seu pequeno ensaio. Mas devo dizer que discordo da proposta de incrementar a captação de som do jogo. Não vou me referir à impossibilidade técnica de fazer isso em todas as partidas (e não apenas nas de Copa do Mundo), nem mesmo à algaravia incompreensível que resultaria de microfones em todos os pontos do campo e do seu entorno. Discordo por uma questão de princípio.

Penso que a fantasia humana precisa da falta, da falha, da incapacidade de captar a realidade plena – se é que isso existe. É necessário que o espectador do jogo de futebol, como o do cinema, o das artes plásticas, o ouvinte de música, tenha um espaço para construir com a sua imaginação o que falta, o que não lhe é dado. Pouco importa que essa construção redunde em erro, em ilusão (afinal, o que é 'a verdade'?). Penso que o futebol (como o cinema, de resto) é rico por exigir essa interação entre artistas e platéia para a construção do seu sentido, ou dos seus sentidos. Costumo dizer que cada torcedor extrai do futebol o que está preparado para extrair. A atitude desconcertante de Zidane permanece como esfinge a ser decifrada pelos espectadores, cada um com a sua perspectiva subjetiva, seu universo próprio de referências.

Talvez essa minha visão possa ser tachada de romântica. Mas é como hoje, 11 de julho de 2006, eu vejo o futebol e sua difusão televisiva mundo afora.
Abraço grande
José Geraldo Couto


Zé Geraldo,
Até concordo com você e, na Cinética, tenho um textinho sobre isso, no qual digo que a cusparada ou safanão de Obdulio Varella em Bigode, na final da Copa de 1950, entre Brasil e Uruguai, que tem versões das mais disparatadas, hoje seria impossível de virar lenda como virou, porque as câmeras registrariam tudo. Minha reivindicação é menos de um som-verdade e mais de um som-ambiente, um som dramático, de construção do espaço do campo e das arquibancadas, sem necessariamente ser revelador do que se diz.

Sou dividido em relação ao excesso de câmera nos jogos, com a busca do mito do cinema total defendido pelo Bazin, quase como um panóptico. Mas não vou dizer que algumas dessas imagens me deixam impressionados, nos colocando ali do lado do jogador. Minha resistência é contra o fim da dúvida, da possibilidade do debate e da discussão, que, para existirem, precisam da falibilidade do olhar, precisam de ponto de vista, de diferença de versões. Isso está sendo enterrado pelos "tira-teimas", pela ditadura da máquina-ciência, que nos dá o fato em si e não um ângulo dele, em cima do qual podemos trabalhar em cima.

De qualquer forma, e acima de tudo, bem vindo a Cinética.
Cléber Eduardo

 

 

 


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