in loco - cobertura dos festivais
Exit Through the Gift
Shop, de Banksy (Inglaterra, 2010)
por Eduardo Valente
A
vida como arte
Existem pelo menos três filmes diferentes dentro
de Exit Through the Gift Shop – e que isso nunca se constitua
num problema para o espectador diz muito da habilidade e inteligência
que Banksy demonstra nessa sua passagem das artes visuais para
o cinema. Desde o começo, para além de plantar discretamente as
sementes das viradas que levarão o filme a outros caminhos nos
momentos seguintes (a partir da introdução do personagem de Thierry
Ghetta), o filme se estrutura como um misto de elegia pura e simples
(como na sequência dos créditos) e de documentação (com momentos
bastante impressionantes) da explosão e posterior consolidação
dos movimentos do graffiti e da street art. Nessa
parte, chama a atenção a urgência das imagens capturadas, e a
abrangência que as mesmas vão ganhando, atravessando continentes
e cidades diferentes a partir da figura de Ghetta – que, aliás,
é o protagonista do “segundo filme” dentro do filme.
Este
segundo filme tem o ritmo e a inteligência dramatúrgica de uma
ficção (e o quanto tem disso de fato não chega a ser um problema
a ser considerado, dado que o importante aqui é o seu efeito atingido),
e conta essencialmente a história de amor entre um homem e sua
câmera. A figura de Ghetta é sim, como havia antecipado Banksy
numa das primeiras falas do filme, absolutamente interessante,
primeiro pelo que é (sua presença em cena é sempre carismática,
conseguindo conjugar comicidade e drama quase em cada aparição),
mas principalmente pelo que faz: a sua história de amor com sua
câmera, a sua necessidade de capturar cada momento em fita, possui
enorme força hipnótica que é o que o filme pede neste momento.
Estes dois “filmes” correm em paralelo pela maior parte da duração
do filme, e o fazem com enorme fluidez, num trabalho muito esperto
de montagem e trilha, com o uso eventual de algumas entrevistas
para fazer a coisa toda andar – e preparar, afinal, aquela que
é a virada importante do trabalho, sua razão mesmo de existir.
Não é nenhuma coincidência, tendo em vista como
o filme deixa claro que Banksy é inteligente em termos de manipulação
de reações (além de profundamente fascinado com sua própria figura),
que seja a partir de sua entrada na narrativa, como personagem
dos “dois filmes” anteriores, que Exit Through... começa
a preparar essa virada – que, dentre todos os momentos, talvez
seja o mais “ficcional” deles (de novo, sem nenhum problema).
A transformação de Ghetta em um artista de codinome Mr. Brainwash
pode até ser vista como a grande “reflexão” do filme, em sua volta
sobre si mesmo, mas na verdade o mais impressionante, como manufatura
de cinema, é exatamente a forma como funciona perfeitamente –
não só por ser totalmente precisa com o personagem criado, como
também por ser um resumo do trajeto da própria street art
ao longo dos anos retratados. Ao criar este “terceiro filme” (o
qual, de fato, poderia até ser pensado como uma narrativa isolada),
e ligá-lo tão bem com os outros dois (já precisamente conectados),
Banksy dá o golpe final deste gesto igualmente iconoclasta e mitificador
que consegue ser Exit Through the Gift Shop – mostrando,
para quem ainda tivesse dúvida, que não é nada bobo.
Outubro de 2010
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