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Programa 2: Problemas de ritmo
por Eduardo Valente

Como qualquer outra forma de arte, a matéria formadora do que faz um bom filme é algo de misterioso e muitas vezes etéreo, difícil muitas vezes de localizar com exatidão, mas na maior parte dos casos impossível de não ver quando se forma na frente dos nossos olhos e ouvidos – ou de ignorar quando tal mágica não se dá. Se o desafio do crítico está em (ainda que não apenas) tentar colocar em palavras este sucesso ou fracasso, a verdade é que muitas vezes o desejo mais direto (e talvez até a única possibilidade de atingir o melhor resultado) é a de apontar a tela e dizer: “ali está, vocês não estão vendo?” – nem que seja apenas para descobrir que, não, ali na tela não se estará vendo o mesmo que ele, por mais óbvio e incontornável que possa parecer.

Foi principalmente por este sentimento de impossibilidade que este escriba se viu tomado ao final da sessão da segunda noite do FBCU. Pois a verdade é que parece impossível, ou no mínimo injusto, tentar ficar se alongando ou dissecando exageradamente quais sejam as características que impedem a fruição plena de projetos tão simpáticos e/ou promissores quanto Enquanto Isso, de Vitor Leite (PUC-Rio - foto acima); O Rosto que Sorri, de João Kowacs Castro (PUC-RS) ou Cidade Desterro, de Glaucia (UFC). O primeiro, com seu desejo, ao mesmo tempo ambicioso e simples, de unir uma história de amor adolescente ao background da História com H maiúsculo; o segundo, com sua índole pop exacerbada e a incomum disposição para uma encenação mais artificializada; o terceiro, com seu mergulho na subjetividade da câmera digital que fala de si como se todo o mundo estivesse ao alcance das mãos – todos eles poderiam nos encantar. E, no entanto, isso não acontece totalmente, o que se dá principalmente por um desses tais elementos tão abstratos quando descritos, mas tão práticos quando (não) vistos na tela: o ritmo. Em cada uma dessas intenções de cinema, tão distantes entre si, os realizadores parecem se perder ao passarem mais tempo de tela contemplando suas próprias idéias do que efetivamente dando carne e osso para elas através dos seus personagens, ou do universo deles. E assim os filmes acabam parecendo se arrastar um pouco de cena a cena, chamando cada vez mais a atenção para suas fraquezas (a dificuldade de colocar os atores em cena e juntá-los ao tal fundo histórico no primeiro; a possibilidade de tirar uma verdade do artifício no segundo; a voz off que no afã de fazer poesia acaba sufocando a que poderia emanar das imagens no terceiro). De fato, o ritmo, no cinema, é assim, implacável: quando ele não se dá, não há como fingi-lo.

Outro exemplo claro disso na sessão foi Bom Dia, Meu Nome é Sheila.., de Ângelo Defanti (Estácio de Sá). Nele, o que poderia a princípio ser apenas um histrionismo excessivamente fácil via o formato do documentário fake, e a ridicularização do mundo do telemarketing, se torna um tanto mais incômodo ao cair numa repetição longuíssima de expedientes. Além disso, o filme também não atinge uma buscada relevância sócio-política, pois ao explorar chave tão parecida com o Jorge Furtado inicial (a estrutura segue exatamente o trajeto de Ilha das Flores), acaba esvaziando, pela falta de timing e a profunda previsibilidade das suas ferramentas, todo sentido de choque que aquele curta possuía. Assim, chegamos ao final do filme muito mais cansados do que instigados. Talvez até por isso, é inegável que melhor sorte acabaram tendo os filmes mais curtos da sessão, que, frente aos trabalhos acima citados, pareceram quase pequenos respiros – de pouca ambição, talvez,  mas também com qualidades que se tornam mais notáveis por acabarem não se perdendo, literalmente, no tempo. Foi o caso, por exemplo, da simplicidade narrativa de A Última Noite, de José Guilherme Fernandes (UVA-RJ), que com algumas boas idéias visuais e uma esperteza de construção já conseguiu no seu tempo curto nos desviar o foco de sua técnica de animação bastante apressada, e caseira (mas não sem charme até por isso). Já O Muro, de Diego Florentino (FAP-PR - foto acima), se chega a ser prejudicado por sua duração exígua até demais (que parece correr um pouco para o seu desfecho), pelo menos não deixou que se perdesse no tempo a força dos grafismos da sua fotografia em PB, que opta quase sempre por ângulos nada comuns.

Que fique claro, porém, que não se está aqui fazendo a defesa da falta de ambição no meio universitário – tanto que o filme mais instigante da sessão, Garoto Barba, de Christopher Faust (FAP-PR) era também o mais ambicioso dentre eles: a começar pelo simples gesto de pleitear um edital nacional de igual para igual com profissionais e, ao ganhá-lo, colocar seu orçamento (claramente maior que o dos outros filmes – mas isso não assegura nada, como bem sabemos) todo ele nas mãos de estudantes de cinema. Mesmo que longe de perfeito (até por sofrer com sua perda gradual de... ritmo, olha ele aí de novo), o que diferencia o filme de Faust é que ele nunca cai no banal, nem ao reciclar referências (sendo o cinema de Tim Burton a mais notável já desde o esquadrinhamento de um universo de subúrbios que sai direto de Edward Mãos de Tesoura). De fato, é curioso notar como este “filme infantil” articula dramas em torno de suas crianças que parecem bem mais maduros do que os jovens adolescentes vistos na mesma sessão. Talvez a maior ambição do filme seja mesmo esta, aliás: não se render a formatos nem saídas fáceis, mesmo trabalhando dentro de um gênero dado. Em última instância, o filme nos lembra que, se quanto mais alto se mira maior pode ser a queda, também mais prazeroso é o acerto.

Agosto de 2010

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