A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers),
de Clint Eastwood (EUA, 2006)
por Cléber Eduardo

Complicando com organização (até demais)

A Conquista da Honra apresenta seus caminhos narrativos logo na sucessão das primeiras imagens: primeiro, a imagem de um sonho, ambientado no front da guerra. Na seqüência, a imagem de quem sonha, um velho, traumatizado com seu passado: temos adiante a imagem de onde sai a voz presente desde o início do filme, um personagem que fala do passado, que dá testemunho de algo importante. O passado é um fantasma em muitos filmes de Eastwood (Mundo Perfeito, As Pontes de Madison, Cowboys do Espaço, Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro). Há sempre lá algum segredo, alguma resposta não encontrada, uma motivação nunca completamente clara para determinados acontecimentos. Ao ganhar imagem, o passado permite que se tente decifrá-lo, ou, ao menos, que se consiga entendê-lo. 

Uma terceira imagem dessa introdução também é do passado e carrega nela um outro passado: vemos três jovens em um ritual patriótico e, a partir de um som, entramos na memória de um deles, em seu trauma de front, e saberemos, mais à frente, que ele é o velho que sonha lá no início. Como se percebe pela descrição, Clint Eastwood, como nunca em sua filmografia, recusa a linearidade temporal. Segue três linhas narrativas, em tempos diferentes, com conexões entre elas. Na verdade, o front é uma frente mítica: nunca aparece como registro do filme, mas como imagem do personagem, seja sonho ou lembrança. E é justamente em torno de uma imagem específica, a de combatentes erguendo uma bandeira dos EUA em Iwo Jima, que o diretor irá se deter em sua complexa narrativa. O mito do front, do símbolo, da bandeira.

Imagens são construções e, ao mesmo tempo, documentos de algo ocorrido, No entanto, são movediças, produzem enganos, falsas verdades. Há mistificação e mitificação da imagem da bandeira que, por ser símbolo da tomada de Iwo Jima pelos americanos, tornou-se ícone publicitário para ajudar a vender bônus de guerra. Estamos no terreno do marketing político, de como uma imagem produz realidades e não apenas a reflete. Portanto, seria um contrasenso trabalhar com uma imagem documento, clara, objetiva, que não ofereça dificuldade de assimilação pelo espectador. Seria essa a explicação para Eastwood complicar sua estrutura narrativa? É uma forma de reproduzir na própria narrativa a necessária dificuldade de crer com dúvidas na imagem? Porque, com intenção ou acidentalmente, imagem é discurso. E esse discurso será usado para atender determinados fins e produzir determinados efeitos. Não se faz isso sem uma enorme dose de manipulação e de proposição política-ideológica. Uma imagem é uma estratégia mesmo quando parece despida de qualquer programa para além dela.

No entanto, se tenta nos instalar em terreno movediço na organização narrativa, chegando a instaurar um narrador ao final do filme, reciclando um procedimento de decodificação do passado dos pais pelos filhos já utilizado em As Pontes de Madison, Eastwood é, mesmo nessa operação de atritos temporais, extremamente organizador. Suas passagens para o front, sempre a partir de um som ou de uma imagem que produz uma lembrança em um dos três protagonistas, são quase didáticas, com setas indicativas a nos informar o percurso a ser tomado pelo filme.

Não deixa de ser uma novidade, de qualquer forma, a dinâmica de câmera e de cortes, justamente, nas imagens passadas no front. Já constantemente comparadas à introdução de O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg (dono da Dreamworks, produtora de A Conquista da Honra), as seqüências de ação em Iwo Jima, com planos instáveis e curtos, produzindo confusão e não informação visual, deslocam a observação sóbria de Eastwood, para muitos o grande herdeiro do cinema clássico de Howard Hawks, para uma condução diferente. E, tanto na estrutura mais quebrada como nesta mise-en-scène de maior impacto, parece que vemos frutos de uma necessidade de se fazer “mais” – quando o forte do cineasta é fazer menos, melhor.


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