in loco - cobertura dos festivais
Flutuantes,
de Rodrigo Savastano (Brasil,
2013)
por Raul Arthuso
Excentricidades
da água
Rodrigo Savastano tenta costurar os dois protagonistas
de seu longa de estreia a partir de um sentido comum, na idéia
de uma corrente de água que diz respeito ao tema e à
fruição fílmica. Talvez por essa razão,
a montagem demonstre muitas vezes certa frouxidão, optando
por uma música quase onipresente e composta por vários
gêneros musicais. Uma salada pop musical que dá
o tom da narrativa. Porém, Flutuantes tem uma
busca poética, como aponta o prólogo em que uma
poesia é lida em um sarau e as palavras são como
que talhadas nas cartelas iniciais. O filme propõe uma
"poética flutuante", busca texturas em diversos
momentos que se fundem com imagens improváveis de plástico
ou filmagens espaciais, o céu estrelado. Há uma
comunhão entre todas as coisas naturais que a ação
do homem de certa forma desorganiza, e o cinema, forma de organização
em alguma medida, é arma para refazê-la. É
uma idéia de graça e interação ecumênica
da forma do filme com a vida das personagens que reside a meio
caminho de A Árvore da Vida com Nostalgia
da Luz.
Os dois protagonistas são tratados como baliza moral, exemplos
regeneradores dessa reorganização poética.
Um deles pesquisa formas de vida criando estruturas que flutuam
na água; o outro mora em uma casa flutuante em um mangue.
O que a colagem pop realiza, no fundo, não é apenas
seu ideal de fruição, mas também uma proteção
ao filosofês canastrão das duas personagens. Por
mais bem articulados que sejam, os dois entrevistados principais
repetem chavões, reproduzem certos tipos e deixam claro
que a poética de Flutuantes esbarra no limite
da poesia ecumênica de butique, em certa inocência
com relação ao verdadeiro interesse das personagens
e uma aparente preguiça nos planos.
Não surpreende que o momento mais forte do filme seja a
rápida montagem simulando uma propaganda política
de uma das personagens. Uma música grandiosa e algumas
intervenções na imagem tornam a cena quirky.
Em certo momento da sequência, o personagem interpela o
então candidato ao governo de Pernambuco, Eduardo Campos,
no momento mais frontal e concreto do filme. A poesia dá
lugar a certa vulgaridade muito bem vinda. Fica de lado a idealização
do fluxo da água e o lado poético de seu tema.
Se Flutuantes é um filme bastante frágil,
não se pode dizer que seja um filme comum. Algo surpreendente,
por exemplo (mais ainda se pensarmos no documentário brasileiro
recente), é o desejo de fazer um filme leve, fluido, feelgood,
ainda que tente dar conta de questões complexas e personagens
de certa maneira à margem. Se existe um interesse forte
nesse filme, ele reside em sua capacidade que dar um nó
na cabeça do espectador, que inevitavelmente se questiona
sobre a experiência de ver o filme. E essa excentricidade
é algo que não se encontra no Discovery Channel,
nem no Globo Repórter.
Janeiro de 2013
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