Frankenweenie, de Tim Burton (EUA, 2012)
por Thiago Brito

O amor após a morte

Remake de um curta realizado nos anos 1980 para a Disney (e em que foi, ironia do destino, demitido por ela, agora produtora do longa), o novo filme de Tim Burton parece concebido a partir da chave da paixão. A paixão romântica, que foi uma das bases do cinema de Burton, há muito fogo-fátuo, reacende aqui em alta chama ao nos oferecer a história do menino Victor Frankestein e seu amigo-companheiro, o cachorro Sparky. 

Um rapaz tímido, calado, mas cheio de inventividade, Victor é um artista em seus primeiros passos de relação com o mundo. A morte de seu ator principal, Sparky, é recebido como o pacto traumático instaurador de uma nova ordem das coisas, um reenquadro/rito de passagem do que é estar no mundo: inspirado nas aulas de seu professor, Victor aspira para além da vida e, através de um experimento com raios, revive seu melhor amigo. A idéia-chave (dar vida) é tratada de forma espelhada: estamos vendo o reviver de um filme morto, abortado, assim como estamos assistindo a uma releitura atualizada de Frankenstein, onde o problema do Monstro, fruto da mentalidade larger than life dos primórdios da modernidade, é resolvido de forma clara e destraumatizada, como uma pedra que não está mais no meio do caminho. A alegria que existe no filme de Burton nos chama atenção para uma possível mudança paradigmática orquestrada em nosso próprio mundo, mudança essa que podemos perceber em filmes os mais variados, com pouco ou nenhuma relação autoral ou mesmo de gênero.

Se em um filme de humor como Ted (Seth Macfarlane) não existe a necessidade de abandonar o velho ursinho para se aceitar a maturidade (ou seja, não existe uma escolha impreterível e necessária de um completo despojar de um eu anterior para a aceitação de um novo estágio, um novo eu), podemos perceber também em uma trilogia como a de Jason Bourne que não existe a busca pelo perdão absoluto de seus erros pretéritos para que David Webb pare de ser Jason Bourne: o que se torna necessário é a escolha para viver uma nova vida, e não mais (ou ainda) um expiar total de suas culpas - tema que é, aliás, mitigado pela direção de Paul Greengrass (embora se encontre presente nos roteiros de Tony Gilroy, algo que ocasionou, inclusive, atritos entre as partes). Ao mesmo tempo, se pegarmos um filme como Girimunho, de Helvécio Martins e Clarissa Campolina, percebemos como as protagonistas sobrevivem em meio ao mundo contemporâneo. Isto é, Bastu recria e vive seu mundo, não precisando, necessariamente, compactuar com as visões ou concepções de um suposto mundo atual que viria, até certo ponto, bater em sua porta. Esta complexa rede de dualidade pode ser, inclusive, seguida até a um filme como Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul), onde, em sua sequência final, realiza-se um salto para além de uma proposição histórica em estrito senso (há, enfim, uma ruptura clara).

Este salto para além da história, a reformulação de mundos e questões, pode ser encontrado também em Frankenweenie. Em um primeiro momento, seus pais se preocupam, se questionam: é certo trazer alguém da morte? É correto poder fazer isso, ir além do que é natural? O que fica claro pelo filme é que isto, atualmente, pode não apenas não ser uma questão, como ser até encorajado: que viva o sobrenatural! Se é bom, que ele sobreviva. Mas, como definir o que é bom, o que é certo? Neste ponto, Burton utiliza-se de uma estratégia piegas, mas extremamente eficaz. Quando, sob pressão, Victor é obrigado e refazer seu experimento, nota que os resultados não procederam. Isto é, embora todos os termos da equação tenham se repetido, o peixinho que tentou reviver reapareceu primeiro invisível, depois morto. A lágrima que escorrera do menino Victor era a verdadeira chave da equação: Sparky está vivo por causa do amor. É o que faz com que os experimentos de seus amigos tragam nada mais do que monstros, destruição e pesadelos - falta-lhes a dedicação e o amor. Sem isto, todo e qualquer experimento está fadado já em sua concepção.

É com esta mentalidade que Sparky, o cão sobrenatural, recebe de toda uma comunidade conservadora o aval e (literalmente) a energia para reviver, para ser além. O ato do amor transformador do mundo e das coisas raramente recebeu tanta atenção e expressão nos últimos anos como neste filme. A beleza do filme de Burton está mais próxima daquela concebida por Scorcese em Hugo: a beleza da paixão. Dois filmes que, curiosamente, realizam o embate entre o novo e o velho, entre seus personagens juvenis (na pré-adolescência) e um mundo antigo, de muitos mistérios. Aqui, trata-se da necessidade de revisitar um filme morto, de colocar em jogo uma narrativa antiga e dar-lhe a reatualização necessária. A inocência parece ser convocada para dar vida a olhos cansados.

Novembro de 2012

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