Fronteira,
de Rafael Conde (Brasil, 2008) por Paulo Santos
Lima
Filme iluminado
Temos
aqui Maria Santa, que vive no início do século passado, num casarão campestre,
e cuja fama de santa milagreira mexe com a demanda coletiva local. A chegada de
um viajante aflora a sexualidade de Maria, que entra em choque com a tia que pretende
prepará-la para o “grande milagre”. Neste seu segundo longa, o diretor mineiro
Rafael Conde opta por um cinema à margem da tradição comercial-popular, preferindo
o exercício estilístico e a experiência do encontro entre câmera e mundo. Conde
conta essa história de folhetim com imagens poderosas, rigorosamente enquadradas
por uma câmera suave e completamente controlada.
Não é um filme tableau,
até porque a decupagem é uma força constante. Ora decupa-se com a luz, ora com
o movimento de câmera, e aqui temos a fotografia do extraordinário Luís Abramo
criando densidades variadas, indo de um registro da natureza (as montanhas, vegetações
e pedras) que muito lembra o Lady Chatterley de Pascale Ferran, a internas
do casarão que confirmam uma austeridade que talvez pese a mão no resultado final.
É como se todo o espaço da casa tivesse de transmitir ao espectador toda uma carga
de informações (simbólicas, às vezes) que tiram o lado corporal, superficial,
dos objetos em cena.O
que Rafael Conde faz, e que é bastante interessante, é utilizar literalmente a
luz para traduzir um estado de graça divina, o lado metafísico da história narrada:
uma luz autônoma que invade o plano como facho, adentrando as janelas, chegando
à Maria. Em outros termos, o registro é contraditório, no qual tudo é pictoricamente
fotografado ao mesmo passo em que há uma concretude, um “suor” das coisas em cena
(móveis, chão, os corpos, panos, campim). Jamais naturalista, esse jogo entre
o realismo e a metafísica deixa o filme em suspenso, com algo não se articulando
como corpo cinematográfico. Não é a trilha incidental, que se faz de um excesso
medonho, verdadeiro canhoneio contra o lado high art do filme.
Por
outro lado, é bastante interessante que este segundo longa do mineiro Rafael Conde
surja assim, com proposta prima ao Lavoura Arcaica de Luiz Fernando Carvalho.
Ainda que LFC saia mais impecável e profundo em sua empreitada autoral, está claro
que, em ambos os casos, há uma certa contaminação de uma “gramática artística”
que pretende algo fora do eixo, fora da dramaturgia usual. Pode-se dizer que nem
é um caso, este de Fronteira (e de Lavoura Arcaica também), de um
filme de arte com concessões. Claro, sempre há as domesticações, pois os custos
dão choques também nos corações livres e rebeldes, mas projetos como este de Rafael
Conde, mesmo com seus desandos, são gritos corajosos (e insanos) que atentam contra
a integridade anódina do gesso mercantil que envolve o corpo de nosso cinema factivelmente
artesanal. Junho de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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