Gatão de Meia-Idade, de Antonio
Carlos Fontoura
(Brasil, 2006)
por Cléber Eduardo
Trinta anos
de retrocesso
Há um diálogo no tempo histórico entre Copacabana
me Engana (1968) e Gatão de Meia Idade (2006). É natural
que esse diálogo, em primeiro plano, realize-se no percurso do
diretor que assina um e outro (Antonio Carlos Fontoura), com quase
40 anos de distância. Mas há um segundo diálogo por dentro desse
primeiro e ele se dá em torno da imagem do garanhão em duas épocas:
o dos anos 60, tempo de liberação na imagem do filme e de repressão
fora do quadro, e o do novo século, com o prolongamento da juventude
e um amadurecimento conservador.
Em Copacabana me Engana, as adversidades
do protagonista, em linhas gerais, eram ameaças a seu hedonismo.
Havia uma jornada pela busca do prazer. Em Gatão da Meia-Idade,
o prazer é coisa do passado, que se prolonga, já sem fôlego, na
contemporaneidade. O garanhão verbaliza um discurso não muito
diferente do discurso repetido pela dramaturgia sobre as mulheres
contemporâneas, e reproduz os percursos dos personagens do escritor
Nick Hornby. Ele tem à disposição uma coroa e uma ninfeta, mas
quer lar, a filha, o velho casamento. Está quase arrependido de
ter sido um caçador de prazeres. Gatão de Meia Idade é
Copacabana Me Engana de pijama.
O código de representação audiovisual, embora
se mantenha nessa viagem pelo tempo na mesma classe social e em
uma mesma geografia urbana (Zona Sul do Rio), também veste o pijama
de aposentado. Se em Copacabana me Engana respirava-se
Nouvelle Vague, mas com atmosfera carioca, em Gatão
de Meia Idade, apesar de baseado em uma série em tiras de
Miguel Paiva, sente-se o cheiro de naftalina do Projac. As cores
quentes das paredes e dos objetos de cena, explicitamente autoparódicas
em seu alto astral cafona, salientam o caráter de cenário do apartamento
do protagonista, matando qualquer possibilidade de construção
de vida no espaço. Ninguém mora naquele estúdio de sitcom.
Seguindo uma tendência significativa do cinema
brasileiro recente, que podemos definir como comédia de costumes
sobre questões de casal, Gatão amealha tanto soluções de
pornochanchada quanto de Rosane Svartman e Mara Mourão. Sua explícita
banalização cômica do sexo também o vincula a representações do
sexo como piada, um dado recorrente na produção dos últimos anos,
mas sem a atmosfera de safadeza dos “filmes com ar de sacanagem
cômica” dos anos 70. Essa deserotização pelo humor é uma espécie
de contraposição a uma vertente dessa questão (o sexo como escape
para uma situação limítrofe). O esforço para ser engraçado, para
transformar cada gesto e cada frase em cartazes solicitando o
riso do espectador, é gerador desse sexo-anedota.
Fontoura parece anular qualquer traço pessoal.
Seu esforço está em adaptar-se a um suposto modelo de comédia-crônica
urbana. E esse modelo, hoje, é da televisão (novelas e séries).
Gatão de Meia Idade tem troca de planos repetitiva, sem
nenhuma imaginação ou frescor visual, de um burocratismo bocejante
e ocasionalmente desafiador (do entendimento e da aceitação).
Se em Copacabana Me Engana Godard e Truffaut eram
referências à vista, agora o modelo parece ser o de José Alvarenga
Jr. Não se deve cobrar de um diretor uma permanência em seus projetos,
sob o risco de reivindicarmos repetições de uma mesma “marca”,
mas, se um dia fundiu uma proposta de comunicação em larga escala
com uma linguagem em sintonia com a brisa de seu tempo, Fontoura
agora parece estar fazendo cinema de escritório de antiquário,
como se nada tivesse acontecido desde a Cinédia.
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