in loco - cobertura dos festivais
Gesto Obsceno (Tnuah Meguna), de Tzahi Grad
(Israel, 2006) por Ronaldo Passarinho
Desejo
de matar
Michael é um judeu de meia-idade, casado,
um filho. Largou o emprego para se tornar escritor, mas não consegue escrever.
Seu casamento está em crise: a esposa odeia a sogra, continua casada por conveniência
e considera o marido um vagabundo, mas ele não se esforça para salvar a relação.
Enfim, é gente como a gente. Todas essas informações são explicitamente dadas
ou claramente sugeridas já no prólogo, antes que surja o título do filme. Prólogo
que termina com a conseqüência do gesto obsceno do título. Quem
faz o gesto não é Michael, é sua esposa, que está arrumando as compras no carro
com a porta aberta, atrapalhando o trânsito, e se irrita com um motorista impaciente
que não pára de buzinar. Ele acelera e quase a atropela, destruindo a porta do
carro. Ela incita o marido a persegui-lo, mas o pragmático Michael responde que
anotou a placa e que vai seguir os trâmites legais para ser ressarcido. Michael
logo descobre que o infrator, sugestivamente conhecido como Dreyfus, é um herói
de guerra que se tornou mafioso. A polícia não pode ajudar: o sistema está podre,
repetem os policiais. Melhor esquecer o incidente. Mas Michael finalmente toma
uma atitude e risca o carro do Poderoso Chefão israelense. A reação é admirada
por sua mulher, mas o mafioso, é claro, não fica muito contente. E o que começara
como uma versão passada no Oriente Médio de Fora de Controle (2002), se
torna um thriller de vingança na linha de Valente e Sentença
de Morte, ambos de 2007 e herdeiros do Desejo de Matar (1974). Como
é obrigatório em filmes de vingança, o cidadão comum transformado em justiceiro
precisa dar um jeito de se armar. Michael é levado por seu primo, que trabalha
para a polícia, até os territórios ocupados da Palestina. Deve atravessar a fronteira
e sair de sua zona de segurança. O primo contrabandeia bandeiras israelenses para
serem queimadas durante protestos palestinos. Desta vez, além de dinheiro, em
troca de uma arma para Michael. Até aí, a situação sócio-política em Gesto
Obsceno serve apenas como pano de fundo e reforço temático. O mundo “lá fora”
da confortável vidinha de classe média que Michael levava é corrupto, mas a ação
que se passa em Israel, poderia facilmente se passar em qualquer outro lugar –
até no Brasil. Até mesmo a sirene que anuncia os minutos de silêncio que pontuam
o feriado durante o qual se desenrola a ação do filme é dramaticamente justificada
durante um confronto entre Michael e o gângster. O problema
é que Tzahi Grad quer que seu filme seja apreciado tanto por produtores hollywoodianos
quanto por jurados de festivais de cinema. Por isso não se contenta em deixar
a situação sócio-política como subtexto e precisa terminar o filme de forma alegórica.
Antes de sair para o showdown com o vilão, Michael vê na televisão uma
reportagem sobre um atentado suicida em Israel. Ele executa sua vingança com um
disparo de bazuca, que remete aos “assassinatos cirúrgicos” de líderes palestinos.
O filme condena ou justifica a ação? Não deixa claro. Como final de filme de gênero,
é decepcionante. Falta sangue. Como final alegórico, com direito a fogos de artifício
e bandeiras tremulantes de Israel ao fundo, é apelativamente ambíguo. Outubro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
|