in loco - cobertura dos festivais
Meu Marlon e Brando (Gitmek), de Hüsein Karabey
(Turquia/Holanda, 2008) por Eduardo Valente
Potências
do real
Existem dois níveis distintos de recepção possíveis
a este Meu Marlon e Brando. Se ficamos na relação direta com o filme que
vemos na tela, precisamos dar conta da maneira bastante precária como ele se estrutura
a princípio, tendo dificuldade para fazer com que realmente nos interessemos pela
personagem principal da atriz que tenta seguir adiante com seu dia a dia em Istanbul
enquanto seu namorado a distância vive na parte curda do Iraque imediatamente
pré-invasão americana em 2003. Não dá para negar que as cenas parecem quase sempre
mal resolvidas no que tange o mais básico da linguagem da ficção, seja a escritura
dos diálogos e sua interpretação, seja questões de decupagem e ritmo. Neste começo,
é um desafio para o espectador se conectar ao que se passa na tela.
Isso
acontece até o momento em que Ayça, a protagonista, decide partir em busca do
seu namorado no Iraque. A partir daí seguimos o périplo dela por várias formas
de transporte, quase todas precárias e, de repente, o entrecho psicológico-narrativo
importa menos do que a experiência deste corpo numa busca que parece ir contra
uma série de elementos (naturais, geográficos, humanos, sociais, políticos). Neste
momento, o filme ganha uma força inesperada após seu início claudicante, força
que vem tanto das situações em si (pela maneira como a mulher se entrega àquela
busca e acredita naqueles poemas que lê e cria) como da maneira como a realidade
começa a se impor aos esforços da personagem. Tal mudança não parece se dar por
acaso, quando sabemos depois que o diretor Karabey realiza aqui seu primeiro longa
de ficção depois de uma bem sucedida carreira de documentarista.
Se
esta informação extra-filme parece complementar aquilo que vemos na tela, existe
uma outra que dá todo um outro sentido a Meu Marlon e Brando: e é o fato
de que não só a história que assistimos é, como se diz, “baseada em fatos reais”,
como a atriz principal é a própria protagonista de sua história, e mais: as “vídeo-cartas”
enviadas por seu namorado iraquiano (de longe o material mais engajador ao longo
do filme todo) são de fato materiais feitos por ele para sua namorada, e não construções
ficcionais posteriores. Quando falamos que há uma recontextualização do material
a partir do conhecimento disso, é porque trata-se de algo inevitável que, no entanto,
não retira da experiência do filme os problemas e limitações que ele apresenta.
Apenas ajuda a olhar para as imagens, em suas potências latentes, e enxergar que
a força que dali já vinha, na verdade parece surgir de origens ainda mais profundas. Setembro
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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