Se Beber não Case (The Hangover),
de Todd Phillips (EUA, 2009)
por Francis Vogner dos Reis

Blackout

No que diz respeito à comédia, existem três casos distintos no atual cinema americano: o primeiro é a velha tradição de Hollywood em fazer da presença de seus astros o principal valor de seus filmes (os filmes com Adam Sandler e a já esquecida Frat Pack); o segundo, é o da saudável petulância de alguns poucos diretores em usar o cômico como possibilidade de realizar um projeto estético mais livre do que os estúdios geralmente permitem (irmãos Farrelly, Judd Apatow e cia); o terceiro, mais recente, é de filmes banais que brincam de serem mal educados (Kevin Smith, Rebobine por Favor). Apesar de Se Beber Não Case parecer à primeira vista estar entre o segundo e o terceiro caso, ele se coloca à parte de ambos.

Por isso, é necessário separar o joio do trigo. Se Todd Phillips é um diretor de aluguel co-responsável pela idéia furada (travestida de conceito) da Frat Pack com os divertidos Dias Incríveis e Starsky e Hutch em que ele colocava os filmes – um tanto automáticos – a serviço do carisma dos atores, não é possível mesurar Se Beber Não Case com a mesma medida. O caminho é o inverso, certamente mais digno e engenhoso: existe um projeto de filme que não se faz só em torno do cômico (apesar de esta ser a motivação e a essência). E em Se Beber Não Case não é preciso muita boa vontade pra ver que, se não é possível localizar Phillips no grupo dos diretores do segundo caso, seu filme é invulgar o bastante para que ele não seja jogado no picadeiro dos farsantes de plantão do terceiro caso.

Diferente de seus trabalhos anteriores, o filme não se ancora ao suposto carisma de ninguém, já que todos os atores não possuem fama que os precede e, sobretudo, servem a uma proposta audaciosa: quatro caras vão para Las Vegas na despedida de solteiro de um deles. Todos tomam uma droga que faz com que percam a memória recente e se esqueçam de tudo o que se passou na noite anterior. O noivo some e eles têm de reunir relatos sobre o que aconteceu, a fim de encontrar o amigo noivo. O valor não está só quantidade de situações e de imagens absurdas – apesar de que a maneira de lidar com elas é determinante -, mas de como tudo isso ganha corpo. Existe uma equação misteriosa entre a ação desses personagens, a situação e o estado em que eles se encontram, a amnésia (que sonega a nós, e às personagens, as informações) e o desenrolar dessas confusões como nas antigas screwball comedy.

Poderia se dizer que o filme consegue sair da piada filmada, porque tem mise-en-scène. Mas essa constatação é menos relevante do que entender, minimamente, como isso se dá, em torno do blackout do grupo. Acontece a investigação das imagens ausentes, que seriam as implicações paralelas à noite “esquecida”, da qual só vemos em uma elipse (Las Vegas indo, em segundos, da noite para o dia). Na falta de imagens que expliquem um quarto de hotel depredado, a falta de um dente, um tigre no banheiro e um casamento com uma prostituta, eles precisam enfrentar as conseqüências dessas imagens que faltam. É claro que essa não é uma versão cômica de Blackout, de Abel Ferrara. Interessa mais a Todd Phillips amplificar o absurdo por meio de uma ação tresloucada e encontrar, assim, o motivo e a origem dessas situações. Talvez ai também esteja o seu limite. Fechar (amarrar, resolver) um filme que, por escolha, abre mão de imagens que explicariam o caos na despedida de solteiro. Mesmo assim, há cenas sensacionais como a do chinês no porta-malas e o encontro com Mike Tyson. Se Beber Não Case enérgico nas suas questões-chave e dá prazer ao espectador. Isso, hoje em dia, já é bastante coisa.

Outubro de 2009

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