Se Beber, Não Case! 2 (The Hangover 2),
de Todd Phillips(EUA, 2011)
por Pedro Henrique Ferreira
Ressaca
e conciliação
É
notável que uma significativa parte das comédias
norte-americanas atuais andem discutindo de maneira sistemática
o tema do casamento. Encontramos uma vasta senda que vai dos trabalhos
mais recentes dos Farrely até filmes mais inconstantes
como Forças do Destino ou Penetras Bom de
Bico. O que talvez haja de mais específico na ótica
destas obras é que o confronto que impede o casamento vêm
perdendo seus contornos exteriores e se tornando cada vez mais
uma questão do homem para consigo mesmo: "Por que
casar?" ou "É com ela que quero mesmo me casar?"
são indagações comuns, normalmente engatilhadas
por um fenômeno abrupto, inesperado, um encontro com uma
outra mulher ou uma traição que aponta contra uma
certeza absoluta do destino anterior. O amor e o casamento não
são postos em xeque enquanto entidades morais ou institucionalizadas;
o são enquanto escolhas voluntárias, abnegações
que valem (ou não) a pena. Não só um desafio
do homem contra o mundo, mas, sobretudo, do homem contra si mesmo.
Ao
filmar Se Beber, Não Case!, Todd Phillips já
havia criado uma maneira de juntar os cacoetes do gênero
a um leque de aspectos temáticos que lhe interessara anteriormente
em Caindo na Estrada, Dias Incríveis
e Escola de Idiotas. Elementos do gênero como o
embate entre destino e acaso, o humor nonsense e grosseiro,
a libertinagem alcólica e sexual, as figuras que variam
do nerd mauricinho ao garanhão festeiro e o estranhão
grotesco, obsessivo e excêntrico, serviam menos para se
refletir sobre "o verdadeiro amor", e
mais para pensar algo que o diretor esmiuçou praticamente
durante toda a sua carreira: a jornada empreendida para corrigir
aquilo que o homem e seu lado lupino, festeiro, insano e sem-memória
periga destruir.
Pois, de fato, no universo de Todd Phillips, o amor e o casamento
nunca são postos em xeque. São tratados com uma
certa reverência, como o que há de mais digno a se
dedicar e erigir.
Nada serviria melhor à premissa do que realizar um filme
sobre uma ressaca amnésica durante a despedida de solteiro.
Este momento de absoluto despreendimento que precede o casamento
irá ameaçar a estrutura do evento, e os personagens
devem correr contra o tempo para consertar as coisas. Mas a vontade
inicial de consumar o evento cristão nunca será
abalada. O que é posto em xeque, em realidade, é
a capacidade do homem, despirocado, de levá-lo a cabo,
de realizá-lo quando seus instintos lhe direcionam somente
para a destruição. Resumidamente, trata-se mais
de uma viagem do homem para consertar as coisas e redimir-se do
que para questionar o quão verdadeiro é seu amor.
Mas isto já havia sido rigorosamente armado no primeiro
filme da série. Em realidade, o sequel repete
ipsis litteris exatamente os mesmos mecanismos narrativos
sob o slogan "agora em Bangkok!".
Todavia,
a estratégia utilizada por Todd Phillips permite esta espécie
de repeteco: se os eventos do filme são resultados de uma
causa esquecida do dia anterior, isto dá abertura para
que haja inúmeros acontecimentos absurdos (como, por exemplo,
acordar com um macaco e um bandido chinês no apartamento).
Se Beber, Não Case: Parte 2 não renova
inteiramente a base do primeiro episódio, porém
cria um arcabouço de situações inéditas
que, no fundo, é o que há de realmente interessante.
E realiza algumas pequenas mudanças que pouco alteram a
idéia maior da trama. Alan (Zack Galifianakis) se torna
ainda mais uma espécie de "origem do mal"; e,
para contrapor sua genialidade degradativa, Teddy (Mason Lee),
filho prodígio do sogro, é introduzido na matilha;
este sogro não é mais o pai compreensivo que empresta
o carro ao noivo, mas um tradicionalista que desgosta do pretendente
da filha, uma variação do tipo De Niro de Entrando
numa fria; em vez da excitante terra de perdição
que era a Las Vegas do primeiro episódio, agora são
as ruelas perigosas de Bangkok que, como diz um dos personagems
a certa altura, carrega embora as pessoas.
Apesar
de todo interesse que as novas peripércias suscitam, Se
Beber, Não Dirija: parte 2 opera em um limiar tênue
entre um repeteco que só se justificaria por um film
comission asiático, e uma tentativa de armar um discurso
ético-artístico mais profundo. Sob esta segunda
ótica, o que temos à mão não é
um objeto realmente "engraçado". Os trabalhos
de Phillips elevam o humor imoral e pastelão tão
típico das comédias atuais ao nível mais
absurdo possível, pondo em risco a própria graça
dos eventos quando eles beiram a catástrofe. Basta observar
que não são as loucuras da despedida de solteiro
que acompanhamos, mas o dia seguinte, o absurdo de suas remanescências
em uma balbúrdia desesperadora. E o que fazer com todas
estas situações absurdas se esta espécie
de humor periga a destruição? Rigorosamente falando,
nada. Esquecer seus aspectos vergonhosos, alegrar-se ainda que
tudo tenha sido esquecido, aceitar este seu lado humano sem limites,
irrisório e grotesco, e consertar o que precisar ser consertado.
Trata-se de "enfrentar Bangkok e vencer", transitar
em um âmbito onde a comédia não pode destruir
o casamento. Assim, Se Beber, Não Case: Parte 2
afirma-se novamente como uma reconciliação, uma
grande reparação do mundo, que o homem naturalmente
sempre põe a perder. E, apesar das feridas, tatuagens e
cortes de cabelo, nada, absolutamente nada, é inteiramente
irreversível.
Julho de 2011
editoria@revistacinetica.com.br |