À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness),
de Gabrielle Muccino (EUA, 2006)
por Cléber Eduardo

Neo-realismo, american way

Quando se vê o nome de Gabrielle Muccino, italiano de 39 anos, à frente de um filme com Will Smith, ambientado em uma São Franscisco dos anos 80, a surpresa é inevitável. Afinal, ele é a novidade no segmento dos cineastas transnacionais do século XXI também por se tratar de um raro caso de diretor europeu que, nos últimos anos (os 90/2000), desperta o interesse de uma companhia dos EUA. Afinal, se ainda se viu alguns deles dirigirem nos EUA (Lasse Hallstrom, Luc Besson, Jean Pierre Jeunet), o campo de interesse nas últimas duas décadas também se voltou para a Ásia (Takeshi Kitano, John Woo e uma série de outros cineastas de ação vindos de Hong Kong) e para a América Latina (Hector Babenco, Bruno Barreto, Luis Puenzo, Walter Salles, Fernando Meirelles, Alejandro Agresti, Alfonso Cuaron, Guillermo del Toro, Alejandro Iñarritu).

Nos perguntamos, então: por que Muccino para este filme? Teria havido concessões ou adaptações de sua parte ou seu estilo era apropriado para o projeto? Difícil responder. Assim como não se pode afirmar com certeza se À Procura da Felicidade carrega marcas do diretor italiano, mesmo em um outro sistema se produção, ou se poderia ter sido dirigido por qualquer artesão de grande estúdio. Digamos que o que permanece, em linhas gerais, é a chave emotiva: não são poucas as seqüências estudadas para amolecer o coração do espectador.

Se O Último Beijo, maior sucesso internacional de Muccino (e que foi, inclusive, refilmado por Hollywood neste mesmo 2006), enfoca, na essência, as ameaças a uma ordem familiar que nascem da própria convivência entre os personagens em crise; em À Procura da Felicidade, esse olhar delicado de Muccino para um estado de coisas em vias de ruir, parece ter sido importante para ele ter sido convidado – mas não determinante. É provável que tenha pesado mais, para sua participação, a origem italiana – afinal o argumento do filme poderia ter facilmente se inspirado em um de De Sica, centrado que é, desde o início, no subemprego ou no desemprego de um pai de família, cuja jornada tem como meta obter uma vaga em uma empresa. Muccino, por ser italiano, presumiram os executivos, teria o “espírito” do neo-realismo. E, como não deu sinais de uma autoralidade personalíssima em seu estilo nos filmes anteriores, talvez não arriscaria os limites de realismo de Hollywood, com todo o peso da carga de produção, com toda a organização das externas, com toda a programação dos efeito de autenticidade.

Mas o filme a ver, nem que à distância, com o neo-realismo? Nada, na verdade, porque se em um filme como Ladrões de Bicicleta está clara a origem do problema (assim como o fato daquele personagem ser mais de um homem italiano), em À Procura da Felicidade, opta-se por, ao invés de estabelecer uma crítica social para contextualizar a condição do protagonista, vincular essa condição à uma má sorte, a um caso particular (e de nada adianta imagens de sem-tetos para se tornar realista). Tudo isso apenas para, ao final, fazer-se a afirmação da meritocracia à moda americana, com a premiação do empreendedor perseverante que investe tudo em seu sonho de progresso econômico.

Estamos em um melodrama social: vendedor autônomo fracassado que perde a esposa por conta da miséria material, mas fica com o filho pequeno, Cris Gardner, sem perspectivas e com habilidades matemáticas, insiste em ser estagiário de uma companhia, porém sem remuneração. Só poderá sorrir quando puder sustentar seu filho e ter dinheiro para morar em um lugar seu (não em albergues). É o triunfo, afinal, do individualismo perseverante. Gardner trabalha para enriquecer as pessoas, ou lhes dar maior estabilidade, mas está no polo oposto de seus clientes. Estamos em 1981, década dos yuppies, dos cifrões arrotados e, embora vejamos signos de probreza, não há relação entre uma coisa e outra: Gardner não se vê como margem produzida pelo mesmo sistema ao qual deseja ter acesso, quer apenas entrar no clube. Não temos consciência social por aqui. Apenas darwinismo econômico. A felicidade procurada está, justamente, em se tornar um yuppie. Para Muccino, talvez, seja filmar em Hollywood


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