Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos,
de Paulo Halm (Brasil, 2009)
por Andrea Ormond

Retrato do artista quando impotente

As razões pelas quais a literatura brasileira praticamente caiu em irrelevância nas últimas décadas são muitas: mais (péssimos) escritores que (desatentos) leitores, decadência do anteparo crítico e patrulhamento ideológico certamente encontram-se entre elas. Porém, acima de todas, reside a principal: os aprendizes na arte de escrever passaram a desconsiderar que o desejo criativo necessita da experiência. Assim, temos uma geração de imitadores ligeiros, de pseudoartistas que enxergam na forma – às vezes no marketing pessoal – um fim em si, sem transmitirem qualquer veracidade naquilo que constróem.

Tal comentário pode servir de introdução a Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos, de Paulo Halm. Roteirista de Achados e Perdidos (2005) e Guerra de Canudos (1997), entre outros, ele criou um filme de roteiro, em que idéia e discurso orientam a imagem. Assim temos o protagonista, Zeca (Caio Blat), às vésperas de completar trinta anos. O rapaz é escritor frustrado, habitante de um apartamento morno na Lapa carioca, vivendo relação desinteressante com Júlia (Maria Ribeiro). Desde criança, Zeca enxergou na literatura, no labor da escrita, aquilo que o psiquiatra austríaco Viktor Frankl chamou de “sentido da vida”. O pai, Humberto (Daniel Dantas), é um daqueles artistas sem obra, intelectual sem idéias que projeta no filho o desejo de potência. Não conseguindo terminar o livro que começou, tudo em volta de Zeca passa a refletir esta crise. Há uma relação entre infertilidade criativa e existencial.  

Na degradação de seu cotidiano surge o paralelo entre protagonista e habilidade criativa. Reitera-se um círculo virtuoso – não exclusivamente vicioso –, ao deixar clara a possibilidade de a experiência produzir escrita autêntica e poderosa. Zeca é inteligente o bastante para fugir, ensimesmado, de seguidas comparações mediocrizantes com Rubem Fonseca. Sabe que o talento atribuído a Fonseca dissolve quem se aproxime dele. Almeja identidade própria, só não sabe ainda como alcançá-la, vivendo em uma bolha onde recebe a herança da mãe falecida, e transa com Júlia não por aventura, mas pela exaustão de uma necessidade fisiológica, às vezes moral. Quando descobre Carol (Luz Cipriota), dançarina argentina – garota meio perdida, meio descolada no caldeirão fumegante da cidade – projeta nela uma “inveja de potência”, semelhante à relação que vivencia com o pai.

Amargurado, momentaneamente castrado, Zeca erotiza seu dilema e imagina coisas: Carol e Júlia vivem um conluio lésbico, apaixonado e vibrante. Ele é um bebê órfão, uma criança enganada que precisa retomar a posse do mundo. O imbróglio seguinte conduz a um desfecho redentor, embora moralista, como é praxe no cinema brasileiro atual. Vivendo um triângulo – real, paranóia? – os protagonistas não têm muito senso de humor, o que compromete em parte a leveza daquilo que é vendido como uma comédia. Ao mesmo tempo, entende-se claramente que Zeca vai não somente aprimorar, mas também romper com a estrutura onde se acomoda. Libertar-se, e esta liberdade tem a condicional de uma espécie de luto.

Interessante notarmos a aproximação entre duas linguagens que já se digladiaram bastante nos idos dos 1900, mas que neste gélido 2010 não espanta mais criancinhas. O fato é que literatura e cinema já travaram embate espectral entre “o antigo” e “o moderno”, entre “imersão individual” e “produção em massa”. Os batutas do Chaplin Club, as Mademoiselles Cinema e os teóricos do caos tiveram de lidar com um confronto hoje arrefecido, até banalizado. O que torna este Histórias de Amor uma obra charmosa, especial, é a elegância com que o diretor e roteirista manipula o encontro entre artes. A insinuação, quase um conselho aos jovens escritores, de que eles precisam “olhar para dentro” antes de mergulharem na página em branco, esteve explícita em outra produção recente – Nome Próprio (2007) de Murilo Salles –, mas aqui é tratada de forma madura e menos complacente. Talvez mais adulta, pois Camila, protagonista de Salles, guardava uma espécie de ridícula predestinação. Em Zeca temos somente um perdedor, buscando na vicissitude sua trajetória.

Halm tem, ainda, audácia indecorosa de aleluia – aceitar o tabagismo. A quantidade de cigarros e de fumaça desbragada no ar faz tremer os incautos, acostumados ao propagandismo politicamente correto. Mais uma vez, o diretor-roteirista acerta e se coloca, queira ou não, em outro debate que fatura horrores. No fundo, Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos finge-se de palatável, mas é saudavelmente pretensioso para nos deixar, à saida do cinema, refletindo sobre a introdução que propus. Autores de blogs, proseadores de Orkut e Twitter – alimentados de leite quente, trazido por mães ciosas, no conforto de quartos refrigerados – nunca podem se esquecer de que os discursos melhoram na medida em que são fundados na experiência. “Você é aquilo que vive”, já diria a musa existencialista Juliette Gréco, parafraseando Sartre.

Abril de 2010

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