nas locadoras
Candidato Maldito (Homecoming),
de Joe Dante (EUA, 2005)
por Francis Vogner dos Reis
Masters of Horror: os últimos
rebeldes americanos
Talvez por serem considerados demasiado antiquados por um público
que os esqueceu, talvez por terem uma verve independente demais
para os critérios dos novos executivos da indústria, cineastas
como John Landis, John Carpenter (com seus episódios já criticados
nessa revista), Joe Dante (e até mesmo os autenticamente independentes
como John McNaughton e Larry Cohen), formam um grupo de renegados.
O "tempo de Hollywood" tratou de os afastar – aliás,
algo semelhante aconteceu com muitos cineastas dos estúdios
na virada de década de 50 para 60, como Anthony Mann ou Alfred
Hitchcock: simplesmente perderam o lugar.
Por isso mesmo, a
série Masters of Horror, realizada para o canal
a cabo Showtime, e que reúne alguns dos cineastas mais interessantes
e provocativos do cinema americano dos últimos 30 anos, é um
dos eventos mais importantes do audiovisual recente. Não teve
o destaque merecido na imprensa e na crítica, até por ser um produto
direcionado à televisão (como bem disse Cléber Eduardo sobre
Código das Ruas de Spike
Lee, também produzido pela Showtime). Mas, pode-se
dizer com toda segurança que esses filmes não seriam realizados
pelos grandes estúdios. E, enquanto a graça pseudo-subversiva
das crias do Sundance e do cinema indie esmorece já há
algum tempo, os "últimos rebeldes" ainda garantem um
pouco de dignidade ao cinema americano, mesmo que pelas beiradas
– via de regra de alguns mestres como Joseph H. Lewis e Samuel
Fuller no passado.
Joe Dante, entre todos esses cineastas, é o que
teve seu último trabalho para um grande estúdio: Looney Tunes
Back in Action, realizado em uma data não muito distante,
em 2003. Looney Tunes que, aliás, parece ter sido feito
de maneira completamente irresponsável – o que é se garante a
potência estética do filme, deu também a definitiva entrada do
diretor na lista negra de Hollywood. Era um filme estranho, uma
aposta comercialmente arriscada, que causou um prejuízo nas finanças
da Warner Bros. Por outro lado, Dante se estabeleceu como um diretor
de longas e filmes de episódio para a TV – e seu projeto de cinema
se adaptou bem à televisão, sempre uma referência forte em
sua obra. Com trabalhos conjugados para a TV e o cinema, Dante
vem se firmando como o maior cronista político – no sentido clássico
do termo – no cinema dos Estados Unidos – com uma astúcia desbocada
que Michael Moore não consegue nem ensaiar.
Por isso mesmo, ainda que seu episódio não seja
o melhor da série (honra que ficou para Cigarrete Burns, de John
Carpenter), Dante é o diretor que está mais à vontade
no formato pra TV – e é justamente em um programa de televisão,
semelhante aos talk shows de um Larry King, que a história
começa. O apresentador Marty Clarke entrevista a analista política
Jane Cleaver (que acaba de lançar o livro "Subversão: Como
a Esquerda Radical Tomou os Noticiários a Cabo") e o consultor
da campanha do presidente norte-americano, David Murch. O entrevistador
e os convidados tentam se adequar ao ideal de democracia apregoado:
dar voz aos partidários do presidente, às pessoas e a grupos de
opinião política contrária.
Depois
da fala de extrema-direita aguerrida de Cleaver, e do otimismo
conciliador de Murch, o apresentador coloca a mãe de um soldado
morto em combate e presa por questionar o presidente, para repetir
a mesma pergunta que lhe rendeu a prisão: "por que meu filho
morreu?". Murch, de costas para a tela onde a mãe desesperada
faz a pergunta, num momento absolutamente patético de reflexão,
de voz embargada e falsa emoção, dá a sentença: "Se me
fosse concedido um só desejo, gostaria que seu filho voltasse.
Para dizer como é importante para nós essa luta pela segurança
do povo americano". Pois dois dias depois, os corpos
dos soldados americanos começam a se levantar, formando uma legião
de zumbis que desejam responder a Murch nas urnas eleitorais.
O diretor acerta o tom no jogo que ele arma:
Dante não desfaz – por meio dos zumbis – a farsa democrática.
Ele os usa justamente como motor que denuncia o limite e
a impotência da encenação política – a grande crise instaurada
pelo filme. Diferente dos mortos-vivos de Romero, que são irreconciliáveis
justamente porque ignoram qualquer motivação dramática que justifique
suas ações, os de Dante são elementos de uma fantasia que tem
um objetivo bem concreto: levantar questões a respeito da
política – da guerra e da mentira transformada em espírito da
ordem – como fetiche de Estado. Por outro lado, o cidadão
comum não é creditado como alienado e imbecil. A mentira atinge
o âmago de suas vidas pessoais, como na sequência da mãe que é
achacada pelo governo; ou naquela em que um casal dono de uma
lanchonete protege um soldado morto-vivo da chuva no seu estabelecimento,
dizendo "temos um filho de sua idade lá (na guerra)".
Joe Dante faz uma sátira política e, como tal,
alusões e toda sorte de delicadezas não fazem parte do repertório.
Os papéis são claros, sem nuances e ambigüidade: os personagens
e suas intenções são planos. Candidato Maldito parte
do princípio de que toda política necessita de uma grande encenação
para legitimar sua existência e seus métodos. Só que, em vez de
entrar pela porta da frente e retomar os motes que de imediato
seriam mais óbvios, a fim de explicar a guerra em forma de denúncia
(como faz Michael Moore), Dante prefere procurar os bastidores
da dramatização, a "cozinha" dos fatos. São estes os
lugares e os personagens que articulam e organizam a grande
encenação política, a grande mentira. Coisa de mestre.
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