O Homem do Futuro, de Cláudio Torres (Brasil, 2011)
por Andrea Ormond
Presente
do passado
Desde
o marco filosófico-existencial de Fofão e a
Nave sem Rumo (1988), todo ele produzido nas barbas da Boca
do Lixo, a mistura de comédia e ficção-científica
minguou terrivelmente no cinema brasileiro. Se a cara de pau do
amiguinho de cabeleiras vermelhas - ícone dos anos 80,
no programa "A Turma do Balão Mágico"
- atirava para o universo infantil, O Homem do Futuro
retoma, de certa forma, a trajetória do seu parente fílmico.
Desta vez, abraça a mais temível de todas as eras:
a adolescência - mesmo que travestida de garotos de faculdade,
já na casa dos vinte anos.
Estamos no clima de loserness, virgindade, inseguranças,
reviravoltas e baldes de mel jogados por cima de incautos. Aquele
inferno na terra em que Carrie pisava toda prosa, deixando a cestinha
de doces psicopatas para as gerações vindouras.
Como a proposta de Cláudio Torres não é a
de investigar os transtornos de personalidade ou o desespero juvenil,
há de se blefar e zombar de tudo ao mesmo tempo, sem culpas,
em um filme que - vejam vocês - faz rir. Este achado, que
pode parecer tão pequeno, é de um acerto incrível
no meio da avalanche de comediotas televisivas que chegam aos
cinemas como cinema fossem. Se algum bedel pegasse da prancheta
para anotar a quantidade de ausências que filmes do gênero
possuem, ficaria assustado com o tamanho da lista. Existe um vazio,
uma falta de horizontes, a começar pelo total sumiço
da sinceridade. Personagens discursam e parecem estar em Marte.
Quisera terem a companhia de Fofolo - primo de Fofão. Ao
menos lhes daria um alento.
Neste
ritmo de coisas, é claro que alguém levantará
a genial tese: ora, se a abordagem é superficial, para
que assistir ao filme? Quem vai gostar de um esqueminha desses?
O mago da idiotice bate no peito, veste a túnica do Camarada
Mao e comete o reacionarismo: "Parem as máquinas!
Cinema popular é alienante!". Se estiver um pouco
mais calmo, simplesmente contorce os lábios, roga outra
praga qualquer e desmerece o que de fato não compreende.
Esconde que, inúmeras vezes, quem se propõe a ser
"intrincado" amarga uma previsibilidade extrema. Nem
todos alcançam o Olimpo. Portanto, na "mais-valia"
cinematográfica o problema não está na fórmula
e, sim, no resultado. Mal não há em mexer em símbolos
óbvios (a Bovary histérica, o Francisco Julião
heróico, o cinéfilo encucado, a patrícia
esvoaçante). A audácia está no que vai ser
feito com eles. O Homem do Futuro apela, por exemplo,
para a bonitona, para o fracassado, para o melhor amigo. Frases
como "inversão do fluxo espaço-tempo",
papos sobre moléculas, "o desejo de retornar e consertar
o passado". Nenhum desses tópicos é essencialmente
inovador, nem reinventa a lusitana roda. O que agrada é
o relaxamento ao se tocar neles, embrulhado na cantilena sobre
as repercussões que trazem à idade adulta. A indefectível
"Tempo Perdido", da Legião Urbana, aumenta o
carinho do público, que a esta altura a converteu em hit
de happy hour, contrária aos delírios depressivos
de Renato Russo. Se vivo estivesse, Russo poderia encarnar um
Jim Jones colorido, levando a tribo para tomar sorvete de baunilha.
Cientista louco e quarentão decide viajar
para 1991. Dia, mês e ano do evento traumático que
absolutamente determinou a sua vida. O bisou da máquina
do tempo e as inúmeras estripulias de filmes teens
são influências imediatas em O Homem do Futuro,
devendo ser somados às antigas séries de livros
do "Você Escolhe o Final". Cada hora uma nota
de pé de página avisa que o fim pode ser outro.
Ressalte-se que a trama não apela para a cartada de ver
pai e mãe quando novos, nem a de revisitar a ultra-revisitada
ditadura ou coisa que o valha. Os protagonistas se bastam, os
enredos partem diretamente deles e do que experimentaram. Como
tudo é construído em torno desse passado pessoal
- que, bem sabemos, sempre é idealizado e melhor que o
presente ou o futuro -, uma parafernália aparece misturada
no pacote. Calças abotoadas em cima do umbigo, celulares
mesozóicos, imagens de Fernando Collor, os primeiros erros,
os primeiros acertos, a suavidade de ser jovem. O barman que responde
assustado sobre poder ou não fumar no recinto etílico.
"Mas é claro que você pode fumar aqui dentro.
Afinal isto aqui é um bar". Para quem se acostumou
às convenções da lei anti-fumo, a gag
decola naturalmente.
Aspecto
interessante, O Homem do Futuro é dos primeiros
filmes a utilizar os anos 90 como referencial de passado. Já
nos acostumamos às ondas de American Graffiti,
rabos de peixe e cabelos pega-rapaz para tratarem do período
Kubitschek. Idem o fetiche com os 60 e a restinga dos 70, geralmente
confundidos como se fossem uma única entidade. Algo na
linha de Geraldo Vandré pegar em armas na Abertura política
e cantar "Baby" no Frenetic Dancin' Days. À medida
em que O Homem do Futuro aponta para os 90, quais as
consequências que surgirão disso? Filmes como Não
Quero Falar Sobre Isso Agora (1991) e uns parcos gatos pingados
preenchem a lacuna dessa época tenebrosa do ponto de vista
cinematográfico, chacinada pelo presidente recém-eleito.
Tratava-se de um Rio de Janeiro cínico, em convulsão
social, na rebordosa do bom-mocismo havaiano que dominou o imaginário
desde Menino do Rio (1982). Daniel O'Neil (Evandro Mesquita)
tentava ser beatnik, mas a realidade o interditava.
Curiosamente, O Homem do Futuro cria uma bolha, ficando
na zona gris entre os 80 e os 90, como se a mão
"Ploc" se sobrepusesse ao que de fato acontecia na época.
O passado, pelo jeito, precisa ser oitentista. Cria-se um parangolé
de cidade tranquila, nostálgica. Derrapadas aqui e ali,
no início dos 90 o rock brasileiro dos 80 já parecia
distante e não necessariamente seria escalado para uma
festa de diretório acadêmico, tal como a do filme.
Digamos que "Inútil" do Ultraje a Rigor cairia
bem nas "festinhas americanas" - aquelas em que se levava
bolo e salgados - dos moleques de seis anos antes. No entanto,
na euforia de estarem novamente no olho do furacão, os
LPs badalam indiscretos, sem tamanho cuidado. Ajudam a desvendar,
de leve, a história que parece ter sido contada em algum
outro lugar, como se o eterno retorno dos protagonistas redunde
semelhante ao do espectador.
Setembro de 2011
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