in loco - cobertura dos festivais
Homem no Banho (Homme au Bain),
de Christophe Honoré (França, 2010)
por Filipe Furtado
A
intimidade filtrada
Homem no Banho é um filme conscientemente modesto
e espontâneo. Um pequeno filme que nasceu do desejo de Christophe
Honoré de trabalhar com o astro de pornô gay francês
François Sagat. Tudo nele grita esta pretensa espontaneidade,
assim como a vontade de ir de encontro ao corpo de Sagat e extrair
dali um personagem. Se estamos diante de um filme extremamente
irregular, isto se deve muito à sua lógica de “pequeno
filme” e também do que confirma das limitações de
Honoré como cineasta.
Toda a tese de Homem no Banho é exposta já
nas suas duas principais seqüenciais iniciais: Omar, um jovem
cineasta francês prestes a viajar para os EUA com seu último
filme, se encontra com seu namorado Emmanuel (Sagat); eles trepam
de forma violenta e Omar informa Emmanuel que espera ele fora
dali quando voltar. Depois, Emmanuel visita um americano que mora
no prédio e ocasionalmente paga pelos seus serviços,
e assiste o homem comparar seu corpo a uma má obra
de arte, peça kitsch cujo interesse se esgota
após um olhar um pouco mais longo. O casting de
Sagat como razão de ser do filme, e todo seu desejo de
mostrar aquele corpo bruto e grosseiro, mas ferido, tem um valor
maior por si mesmo que estes dois momentos são capazes
de sugerir.
Há um filme a se fazer a partir disso – e é
prova da inteligência de Honoré que ele não
tenha nenhum interesse em desconstruir a persona de Sagat e apenas
transpor-la para seu filme – mas infelizmente ele rende
só cerca de quarenta minutos. Quase metade da duração
de Homem no Banho consiste de uma série de home
videos que Omar/Honoré rodaram quando em Nova York
para apresentar Não, Minha Filha, Você não
irá Dançar e não há nada de mínimo
interesse nestas seqüências para além de mostrarem
como o cineasta parece igualar a pobreza estética destas
imagens com um força intima que elas sequer passam perto
de sugerir.
A
verdade é que após o trio Em Paris/Canções
de Amor/A Bela Junie terem garantido a Christophe
Honoré espaço de sucesso dentro do cinema francês
contemporâneo, o cineasta parece buscar um caminho que demonstre
um domínio da intimidade das suas personagens que os filmes
anteriores, bem observados como podem freqüentemente ser,
só ecoavam em momentos isolados. Não Minha Filha
fracassava sob o peso deste projeto e Homem no Banho,
apesar de ser um filme mais forte (muito porque Sagat constrói
uma presença mais interessante que Chiara Mostraianni),
soa um tanto como se Wes Anderson – o cineasta que Honoré
mais lembra e não só pela obsessão por Salinger
e musica popular – tentasse se transformar em Andrew Bujalski.
Honoré é um dos mais literários cineastas
contemporâneos se pensarmos a expressão como um cineasta
cujo mundo se apresente como uma construção cuidadosa
com uma série de elementos que mediam nossa relação
com seus personagens, ao contrário de um olhar mais imersivo
(pensemos numa oposição entre Lang e/ou Hitchcock
com Murnau/Ford para usarmos um exemplo da história do
cinema). Homem no Banho busca desesperadamente romper
este filtro, mas nunca se encontra neste
registro. Não é acidental que as seqüências
em que o filme melhor encontre sua chave íntima sejam aquelas
acompanhadas de trilha sonora, em que Charles Azvenour ou Girls
sirvam como intermediário entre o espectador e a figura
de Sagat. A intimidade no mundo de Honoré existe somente
manufaturada, filtrada por uma série de outros elementos
(narrativa, história do cinema, música, literatura,
etc) antes de alcançar o espectador. Nenhum problema com
o processo em si (o mesmo pode se escrever para Em Paris
ou A Bela Junie e é parte da graça e força
que estes filmes atingem), mas a tentativa de circulá-lo
expõe a construção de Honoré de maneira
pouco positiva. No caso de Homem no Banho, por exemplo,
ela reduz o filme muitas vezes a pouco mais do que uma tese sobre
a força expressiva da presença de Sagat, no lugar
de simplesmente expor esta força na tela.
Outubro de 2011
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