Um Homem que Grita (Un homme qui
crie),
de Mahamat Saleh-Haroun (Chade/França/Bélgica, 2010)
por Eduardo Valente
Um
cineasta que olha
Em Um Homem que Grita (primeiro longa a ir do Chade para
a competição de Cannes), o diretor Haroun se dedica a olhar para
a dinâmica interna de uma família em que as coisas caminham em
direção trágica. O filme se abre com o pai e o filho (ele, quase
idoso, mas atlético; o filho, um jovem) brincando numa piscina,
em cena idílica. Logo entenderemos que a piscina é a do hotel
onde os dois trabalham como salva-vidas e mantenedores, e que
o país passa por delicada situação político-econômica. Demissões
cercam o local de trabalho, e lá fora uma guerra civil se anuncia
pela TV.
Haroun constrói com cuidado nesse começo as dimensões das relações
de trabalho e da casa, com a presença da mãe criando um terceiro
vértice. De repente, o hotel precisa
rebaixar o pai para um trabalho de porteiro, deixando apenas o
filho cuidando da piscina (o que para ele é especialmente humilhante
não só pela lembrança da velhice que chega e o aproxima da inutilidade,
mas porque ele é um ex-campeão de natação cuja vida sempre esteve
ligada à piscina). A partir daí (ou
seja, mais ou menos na metade da sua duração), o filme deixa de
lado o que parecia uma aproximação principalmente atenta e observacional,
e vai mergulhando cada vez mais no registro do melodrama, beirando
a tragédia.
Logo,
pai e filho amorosos precisam tomar decisões duríssimas contra
a vida do outro, e quando a guerra civil se torna uma realidade
inescapável, a história pessoal e familiar se mistura de vez com
o país. É quando Um Homem que Grita passa de um pequeno
e sutil filme de um diretor seguro para um trabalho de muito maior
choque. Aos poucos ele consegue, sem que nunca tenhamos nos dado
conta de que íamos nessa direção, tratar da condição trágica do
Chade a partir desse pequeno drama de dois personagens, que sempre
é movido pelas mais profundas necessidades de ordem pessoal. A
maneira como Haroun faz essa passagem é precisa e profundamente
perturbadora, construída por uma série de cenas onde ele consegue
manter o equilíbrio raro entre a construção estética de uma cena
com o retrato de uma tragédia social e pessoal, sem nunca explorar
nenhum dos dois às custas do outro, mas sim demonstrando uma fluidez
típica de quem possui uma mão certeira - e, mais importante
que isso, muita certeza do que o move como cineasta.
Maio de 2010
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