in loco - cobertura dos festivais
Imperdoável (Impardonnables),
de André Techiné
(França, 2011)
por Filipe Furtado
Drama
embalsamado
O cinema de André Techiné sempre existiu no limite
do risco, com seu gosto por personagens desviantes existindo lado
a lado com a sua preferência por uma dramaturgia psicologizante,
que em muito se aproxima do cinema francês de bom tom que
sempre dominou certa ideia (não muito produtiva) do cinema
de arte local. Em muitos dos seus melhores filmes - e um
pouco como Chabrol, mas num registro diferente - Techiné
parte de uma apresentação que poderia facilmente
se passar pela qualidade francesa, para desmontá-la aos
poucos (pensemos, por exemplo, nas intrigas familiares de
Minha Estação Preferida). Não por
nada, ambos cineastas ocasionalmente foram acusados injustamente
de serem acadêmicos. Se Chabrol – especialmente a
partir de meados dos anos 1980 – se destaca por uma leveza
de mise en scène que eleva mesmo o mais banal
dos materiais, Techiné depende invariavelmente de um trabalho
de observação de personagem que, por vezes, menos
transcende a banalidade das suas premissas do que trabalha a partir
delas (seu último belo filme, Os Tempos que Mudam,
não poderia ser um veiculo mais corriqueiro para os veteranos
Deneuve e Depardieu).
É um flerte perigoso, pois eventualmente o banal desandaria
na mera tolice... e o cineasta parece ter finalmente atingido
a irrelevância com este Imperdoável. Temos
um escritor (Andre Dussollier) pronto a passar uma temporada na
Itália, para preparar seu novo romance, que imediatamente
propõe a sua bela corretora (Carole Bouquet) em casamento.
Eles se mudam juntos, mas a imaginação efervescente
não lhe trará a paz, já que ele precisa saber
o que ela faz e está sempre pronto para preencher as lacunas
com as piores possibilidades (paralelo a isso, ele tem também
que lidar com outra crise envolvendo a filha, a ecoar a obsessão
de sempre do cineasta com famílias fragmentárias).
A presença de Dussollier no papel principal e o foco na
obsessão patológica do seu personagem por uma mulher
e na sua imaginação trazem à mente o Ervas
Daninhas, de Resnais, mas a experiência de de vê-los
não poderia estar mais distante. Se Imperdoável
fracassa, trata-se essencialmente de um problema de convicção.
O filme constantemente sugere caminhos, mas fraqueja quando deveria
persegui-los. Pensemos no ciúme de Dussollier que impulsiona
todo o filme: Imperdoável não lhe poupa
em nenhum momento, mas não se lança com convicção
no patológico do imaginário masculino, como por
exemplo o La Captive, de Chantal Akerman (ou, em chave
bem diferente, o próprio Ervas Daninhas). Afinal,
num filme de bons modos como esse, pode-se até ser desagradável,
mas jamais perturbador. Imperdoável está
por demais interessado em se comiserar pela desgraça do
seu protagonista para fazer qualquer coisa interessante com ela.
Daí
se explica o filme seguir travado, incapaz de fluir com qualquer
naturalidade. Tudo conspira na direção de embalsamar
seu drama. Do uso da paisagem italiana à música
(sempre no momento certo a sinalizar os sentimentos), Imperdoável
é não só um filme hipercontrolado, mas um
em que cada decisão e movimento é voltado para valorizar
o lado mais tacanho de sua dramaturgia. Percebemos então
que Techiné, este aplicado estudante de Bergman, já
não justifica a comparação com Chabrol, mas
com Claude Lelouch. Todas as sequências são reduzidas
a pouco mais que um exercício tecnicista que deseja vender
a mesma complacência.
Imperdoável está longe de ser o primeiro fracasso
de Techiné mas, se num filme desarranjado como Alice
e Martin ainda era possível ver as sementes de um
projeto que calhou em não dar certo, aqui resta a impressão
constante de que qualquer elemento mais incisivo e desviante precisa
ser normatizado, aparado em função do drama de bom
gosto. Em outros tempos seria fácil imaginar Imperdoável
se divertindo ao encontrar buracos na imaginação
do romancista; mas aqui sua psicose precisa ser levada sempre
a sério – não para ser explorada, mas somente
para melhor nos identificarmos com ela. Prisioneiro do seu próprio
drama, o filme nunca escapa de uma impressão constante
de frouxidão, girando em falso mesmo nos seus momentos
mais pretensamente intensos. Imperdoável quer
muito se afirmar como “um filme bonito” e, como muitos
filmes que ambicionam pouco mais que isso, não escapa da
impressão constante de um drama em decomposição
pronto para ser velado.
Outubro de 2012
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