Trabalho Interno (Inside Job),
de Charles Ferguson (EUA, 2010)

por Eduardo Valente

Ampla visão

Em um documentário tão fortemente voltado para seu conteúdo, não deixa de ser curioso que uma opção estética seja o que mais desvende o gesto por detrás de Trabalho Interno (título que se não é exatamente uma tradução errada para Inside Job, também não chega a dar conta do significado original do termo). Ao optar pelo scope como formato de tela, numa escolha bastante incomum em documentários em geral, Charles Ferguson nos indica algo que ficará plenamente claro no final do filme: ele acredita realmente no “escopo” do combate que decide empreender com este filme; acredita que esta é a luta que precisa ser enfrentada mais urgentemente do que qualquer outra no momento histórico que vivemos. E a força que o filme alcança emana justamente desta crença – que está impressa no filme em cada opção que constrói seu discurso, (in)tenso, profundamente exaltado, mas sem nunca perder a capacidade de argumentar.

Daí porque nada melhor que o formato da tela larga, que empresta visualmente ao filme, como dado inescapável, uma magnitude que vai permitir ligar com precisão as exuberantes paisagens islandesas da abertura do filme com a dimensão mítica das imagens Casa Branca que surgem perto de seu final – e que é onde o cineasta localiza, ao fim e ao cabo, a origem deste sistema viciado. Mas esta magnitude só se sustenta porque Ferguson vai tentar dar conta dela através de argumentos – e aí, nada melhor do que um típico trabalho de um verdadeiro americano metódico, pois realmente onde Trabalho Interno mais impressiona é na sua capacidade de unir uma pesquisa ampla e atenta a um didatismo quase sempre muito inteligente na sua luta para tornar palatável um assunto bastante árduo (no que se configura, aliás, como um gesto político essencial do filme, uma vez que um dos argumentos usados pelos czares do sistema financeiro para seus atos é justamente que poucos podem entendê-lo).

Seja pelos documentos que exibe (e aqui pensamos tanto nos papéis filmados como nas imagens dos programas de TV e depoimentos ao Congresso que expõem a cara de um vilão cuja obviedade só o torna mais cruel), seja pelo desejo de ir até o máximo das fontes diretas (deixando claro todos os que, procurados, declinaram participar do filme), o filme é diligente o tempo todo – e nesse esforço traça algumas linhas de contato realmente potentes e muito bem expostas (como a que conecta o meio acadêmico com o sistema financeiro, ou a que une política econômica e especulação). Pena que aqui e ali o filme escorregue num moralismo, também profundamente americano (as referências à prostituição e os vícios em geral por detrás dos executivos de instituições financeiras), porque ele está no seu melhor quando é puramente descritivo e/ou confrontador (de fato, o filme tem algumas das mais desconfortáveis entrevistas vistas em documentários). É através destas argumentações simples e diretas que ele consegue comprovar aquilo que talvez seja sua tese central – menos que o sistema financeiro seja apenas intrinsecamente mau, e sim que ele precisa é ser protegido de si mesmo (como Nouriel Roubini relata ter ouvido numa reunião em pleno desespero da crise). E, mais que isso: que esta questão é mesmo tão urgente quanto o filme afirma e acredita.

Março de 2011

editoria@revistacinetica.com.br


« Volta