Juízo,
de Maria Augusta Ramos (Brasil, 2007)
por Francis Vogner dos Reis Nova
integridade documental
Com Juízo, o seu
novo filme, Maria Augusta Ramos, a diretora de Justiça, vai sabotar um
discurso recorrente nas críticas e comentários de seu filme anterior: o de que
ela pratica o cinema direto (como se este fosse uma espécie de religião de “praticantes”
e “não praticantes”), o filme de instituição (a exemplo de Frederick Wiseman),
o documentário observacional, o docudrama – que termo antiquado -, etc. Pois Juízo,
em seus problemas (menores) e qualidades (enormes) é um balde de água fria nas
categorizações. Que Juízo vai lidar com questões legais
de importância fundamental, que vai ser um documento crítico das audiências da
II Vara de Justiça do Rio de Janeiro e das condições espúrias em que os garotos
são alojados, isso não dá pra questionar: Maria Augusta Ramos realizou um trabalho
fundamental e obrigatório. Mas atrelar a importância de Juízo somente a
essas questões é jogá-lo na vala comum dos “documentários necessários” e ignorar
a forte experiência estética que certamente tem muito mais a dizer sobre seu assunto
(em termos informativos e pedagógicos mesmo) do que a eficiência dos documentários
de tema. Maria Augusta Ramos arrumou uma solução formidável
para fazer seu filme sobre o julgamento de menores de idade infratores: como o
juizado não deixa que se revelem rostos e nomes de menores que cometeram crimes,
a diretora escalou adolescentes não-infratores para representar personagens reais
que não poderiam aparecer. A cineasta elege um “outro” em seu documentário para
fazer a representação de um personagem real. O fato dos garotos não-atores viverem
em condições similares aos garotos reais não quer dizer muita coisa: a força está
justamente nessa necessidade em ter de ficcionalizar para fazer um documentário.
É nesse cruzamento que acontece a inversão mais interessante
do filme. O promotor, a juíza, o defensor, os pais dos garotos que, digamos, “não
interpretam” têm uma performance exaustiva (no caso da juíza, até mesmo espalhafatosa),
ao passo que os garotos parecem um tanto quanto constrangidos com a exigência
de encenação. Eles estão muito menos preocupados com os efeitos de autenticidade
do que os personagens reais de Juízo. Deve ser interessante assistir este
filme sem o aviso prévio da estratégia da diretora. Naturalmente poderia se ver
frieza, calculismo e indiferença em alguns dos jovens, que conseguem trazer a
autenticidade que Bresson acreditava que somente os não-atores podem impingir
aos papéis. Pra falar de Juízo o melhor não parece
ser a ida aos documentários da década de 60 e 70, mas localizá-lo no presente
mesmo, ao lado de, por exemplo, Dong de Jia Zang-ke, e, em certa medida,
Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho. Esses filmes vão compreender que é impossível
alcançar integridade na ortodoxia de um documentário que não assuma, absoluta
e transparentemente, sua encenação. Novembro de
2007 editoria@revistacinetica.com.br
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