A
Bela Junie (La Belle Persone), de Christophe Honoré (França, 2008) por
Francis Vogner dos Reis Museu de cera
A
História do cinema é uma história de tristeza. A impressão é que os grandes realizadores
têm e tiveram plena noção da limitação da linguagem, mas mesmo assim, esforçam-se
para dar nome às coisas, mesmo correndo o risco de não serem compreendidos ou
serem interpretados de maneira equivocada. Em Cada um com seu Cinema, filme
de episódios em que diversos diretores do cinema contemporâneo tratam de cinema,
é interessante ver como os filmes de Godard são vistos (por Iñárritu e Egoyan)
como enlevo, com romantismo e nostalgia. Não que isso seja proibido ou moralmente
condenável, mas não deixa de ser um pouco melancólico, mas também realista, o
modo como a obra de alguém é utilizada pela subjetividade de outros para dar sentido
às suas sensibilidades pessoais com muita estreiteza. A Bela Junie de Christophe
Honoré é um desses filmes que tem consciência de que não há originalidade, todas
as imagens já foram feitas, o que cabe ao realizador hoje é ressignificá-las.
O filme de Honoré (assim como seus anteriores Em Paris e Canções de
Amor) é um pântano de referências e reverências, onde ele não procura dar
nome às coisas porque elas já tem significação e pedigree. Tendo
como base a imagem da personagem Junie, temos, a partir da presença dela, uma
série de questões emprestadas de outros filmes. Temos a Junie participante de
uma ciranda amorosa; a Junie efígie intransponível; temos a Junie bela persona;
a Junie, garota prosaica. O diretor não só a vê, mas sugere o modo como ela é
vistas pelos seus pares, por isso temos a fotografia tirada por um de seus colegas,
ela chorando repentinamente em sala de aula, o tédio e ansiedade no quarto – com
direito a jump cuts e tudo mais. Faz
as mediações possíveis com cineastas de referência: Bresson, Godard, Manoel de
Oliveira, assim como não deixa de utilizar um expediente genuinamente seu (e genuinamente,
digamos, francês), que é a seqüência musical. Se quando ele se volta a Bresson
e Godard é simplesmente apropriação e colagem (ou nota de rodapé: esta imagem
é citação de fulano ou beltrano), como um ilustrador de roteiro, quando aparece
Chiara Mastroianni – que fez A Carta de Manoel de Oliveira, filme baseado
também em La Princesse de Clèves, de Madame de La Fayette – sentada na mesa de
um café olhando para Junie, o link, a piscadela cinéfila é um tanto constrangedora,
porque não é nada mais que reverência, busca de legitimação. Algo desse tipo é
bem comum, na cinefilia inclusive: justificar a operação de um filme levando-se
em conta a lavra da qual provém, se volta ou se refere, como se filiação (ou erudição)
significasse, automaticamente, valor. Inclusive é essa chave que muitos se utilizam
para legitimar o cinema dele: “parece nouvelle vague” – apesar de que alguns
dizem lembrar a “liberdade da nouvelle vague” (como Inácio Araújo), o que
é diferente, apesar de ser um tanto descabido falar isso de um filme que não respira
nem por suas brechas e seus defeitos, como os filmes de Truffaut, por exemplo. O
filme tem pelo menos uma preocupação que parece realmente fundamental para o diretor
que é a paixão gay, central em seu outro filme Canções de Amor, e que ele
trata com algum interesse. Pela primeira vez na carreira, ele procura criar belas
imagens de uma mulher, em um procedimento revela alguma astúcia, como a cena em
que Junie mostra os seios. Pena que um filme não é só feito de imagens bonitas
e de temas que interessam genuinamente ao cineasta, mas de organicidade entre
a forma e o que compõe essa forma, entre o drama e o que está para além do drama,
entre as questões que orientam o filme e o que o diretor propõe a partir delas.
Honoré não propõe nada de efetivo, ele faz uma exposição de questões somente.
A foto de Junie, a carta e o mal entendido na trama são figuras, dados, delicadezas
de roteiro e composição, mas não conseguem constituir um mecanismo que dê autonomia
ao filme para além do efêmero dessas sensibilidades. Será
que é por ser tão vaporoso que A Bela Junie é um filme tão pequeno em estatura
e espírito? Não só. O filme de Christophe Honoré forja para si formas desapegadas
de uma busca. Se vê como devedor de uma tradição, de uma relação específica com
a imagem. Ora, ele é o único cineasta que lida, explicitamente, com uma memória
de cinema? Não, é claro. Hoje, praticamente todos – por exemplo, Tarantino, Reichenbach,
De Palma colocam isso como questão elementar. Só que essa memória para eles é
princípio ativo, partindo dela para atingir uma sensibilidade diferente de suas
matrizes. Eles acertam sempre? Não, mas eles têm um método. Para Honoré, essa
memória de cinema é princípio passivo, porque sua sensibilidade está aprisionada
à reverência: ele não tem método, possui procedimentos, somente. Para ele, expor
a mecânica das coisas consiste em revelar e em não colocar problemas. Não há interesse
em empreender uma busca, tudo já está resolvido de antemão. É uma galeria que
reproduz réplicas sem vida e sem autonomia. A Bela Junie é um museu de
cera. Março de 2009 editoria@revistacinetica.com.br
|