Glória
ao Cineasta (Kantoku Banzai), de Takeshi Kitano (Japão,
2007) por Eduardo Valente Relaxem
os cintos, o cineasta pirou
Qual foi o último cineasta
ganhador de um prestigioso prêmio, como o Leão de Ouro em Veneza, a fazer um filme
tão ensandecido quanto este Glória ao Cineasta? A resposta é fácil: nenhum.
Nem mesmo Quentin Tarantino, com seu mergulho definitivo no cinema físico com
À Prova de Morte – aliás, para provar isso basta ver que Tarantino manteve
seu lugar de honra na competição de Cannes, enquanto Takeshi, ainda bem novo,
foi colocado na seção “Mestres”, em Veneza – também conhecida como “o que fazer
com aqueles cineastas que não podemos deixar de fora, mas cujos filmes simplesmente
não são digeríveis pela grande mídia/platéia”. De fato, é
considerável a coragem (e a liberdade) de Takeshi Kitano na realização deste filme,
que pode ser visto como um autêntico tratamento criativo em praça pública. Diagnóstico
final: “seu cérebro está danificado”, diz o médico. E é isso que ele assume desde
o começo, como um cineasta em crise que não sabe mais que filmes quer fazer, nem
que filmes poderia fazer para agradar ao seu público (público este que, como bem
deixa claro, nunca foi numeroso – e se encontra mais nos festivais de cinema e
nos pequenos circuitos). Na primeira metade do relato, então, Takeshi brinca com
os filmes a fazer, rindo de si mesmo (como diretor e como figura em cena), mas
no caminho rindo também da história do cinema japonês, do cinema japonês contemporâneo,
do cinema de arte contemporâneo, de Hollywood... Em suma, de todo mundo – Glória
ao Cineasta não é, definitivamente, um filme feito para fazer amigos. Por
mais graça eventual que esta parte do filme encontre, de fato já vimos algumas
piadas melhores no gênero nos melhores filmes de Mel Brooks ou dos irmãos Zucker.
O forte de Takeshi claramente não é a sátira metalinguística, e a melhor parte
deste começo, não por acaso, é aquela em que ele filma inesperadamente a sério
uma parte da história dos anos 50 no Japão, remetendo a uma infância bem dura.
Ali, se o humor ainda se sente residualmente, o filme adquire um peso realmente
inesperado, onde a maior piada é “olha o inferno que foram os anos 50”. Ha-ha. Mas,
de repente, quando o oxigênio do começo ensandecido parece estar se esvaindo do
filme, e as piadas vão se explodindo por dentro, eis que parece que Takeshi encontra
o filme que, afinal, ele realmente queria fazer: de repente, Glória ao Cineasta
explode num humor físico surrealista bastante impressionante – algo que, por mais
que estivesse presente em todos os filmes de Takeshi, em pílulas, sempre parecia
respeitar as “convenções de gênero”. O filme sai da armadilha em que parecia se
meter com uma graça absolutamente demencial, com Takeshi assumindo de vez sua
veia cômica como ator de uma só expressão. Ele se transforma numa mistura de Buster
Keaton com Jerry Lewis, chuta o balde definitivamente e cria algumas das mais
memoráveis esquetes, seja pela sua insanidade (a que faz referência a Zidane),
seja pelo seu timing cômico (as aulas de caratê), seja pela junção das duas coisas
(a viagem de trem e toda a parte que se passa no interior). Ao
final da sessão (que não chega sem uma ou duas fortes piscadelas ao Monty Python,
especialmente no uso da animação), a sensação que fica é que, na busca (verdadeira
ou falsa, não importa) do filme que queria fazer, o golpe final de Takeshi é mesmo
o de tirar o tapete debaixo dos pés de seus admiradores ou detratores. Não conseguimos
mais saber é que filmes esperar que Takeshi vá fazer a seguir. E isso, para qualquer
autor, é ótimo. Outubro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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