in loco - cobertura dos festivais
Las Acacias, de Pablo Giorgelli
(Argentina/Espanha, 2011)
por Raul Arthuso

Olhares e encontros

Las Acacias carrega boa parte das características da “nova onda” do cinema argentino, que conquistou notoriedade nos festivais internacionais ao longo da primeira década deste século: uma intensa adesão ao ponto de vista do protagonista como motor estético; a abordagem de pequenas histórias individuais para atingir contextos do país; o pequeno porte da produção, em um filme que se sustenta pela força imensa do uso seguro da linguagem; o tom austero da narrativa.

Se Las Acacias compartilha com outros filmes locais algumas características, sua singularidade reside no olhar, pois esse cinema argentino do qual faz parte pode não ser um conjunto que se destaca pela “invenção” da linguagem ou por uma marca formal evidente (como o dito realismo do cinema romeno dos últimos anos), mas é um cinema fundado na potência do ponto de vista. Em Las Acacias, a câmera adere a Rubén (German de Silva) e seu universo, que se resume à cabine de seu caminhão. Esse universo é “invadido” por Jacinta (Hebe Duarte) e seu bebê, que tomam carona com ele da fronteira com o Paraguai até Buenos Aires. O interesse do filme reside neste encontro, em como essas duas pessoas se enxergam, em como a distância entre os dois vai pouco a pouco se desfazendo pelo olhar.

Pois, no fim das contas, Las Acacias é um filme sobre o olhar. É a partir do modo de olhar das personagens que as relações são construídas e modificadas: o olhar estranho e ambíguo de Rubén no primeiro encontro com Jacinta, que por outro lado olha friamente para ele; olhar ciumento de Rubén quando Jacinta conversa com outro caminhoneiro em uma das paradas do caminho; a troca de olhares doce dos personagens no momento da despedida.

É interessante que o pulso marcador do compasso dessas mudanças do filme seja a bebê de Jacinta. Ainda que enquadrar a bebê agindo e olhando para Rubén pareça uma estratégia fácil de conquista do espectador, é a bebê quem reduz a distância inicial de Rubén e Jacinta. Sua aproximação com o caminhoneiro por meio das reações – todas de olhar já que a bebê não fala – traz junto sua mãe e também a câmera. No início, as composições de quadro e a postura dos atores criam um imenso espaço dentro da cabine. Com a atenção para a relação de Rubén e a bebê, as posturas mudam, ficam mais leves, ocupam o vazio criado no início, e a cabine, que parecia conter um universo de distância entre os dois, fica confortável, afetuosa, conjunta.

É expressivo pensar que Las Acacias poderia muito bem ser classificado como um road movie, já que há um deslocamento territorial e também uma mudança das personagens refletida por isso. Mas o impressionante é que esse deslocamento se dá essencialmente dentro da cabine do caminhão, conduzido e significado pelos pequenos espaços, as pequenas ações, os pequenos olhares, os pequenos sentimentos, como uma viagem pelo universo que é a pequena experiência de um encontro.

Novembro de 2011

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