Zona
do Crime (La Zona), de Rodrigo Plá (México/Espanha, 2007) por
Eduardo Valente Mão
no vespeiro
Não é uma seara simples aquela em que Rodrigo Plá decide
se envolver com este seu primeiro longa. Vários diriam, inclusive, que é a principal
questão latino-americana (quiçá de todo mundo, mas certamente dos países que não
fazem parte do chamado Primeiro Mundo): a da desigualdade brutal entre ricos e
pobres. Pode-se dizer que esta desigualdade é tema de todo filme feito na região,
de uma forma ou de outra, mas poucos são aqueles que decidem tratar dele tão diretamente.
Não só toda a estrutura do filme de Plá se monta em torno desta idéia, como também
a geografia de seu filme, que é central para o trabalho. De fato, logo nos primeiros
cinco minutos, Plá explana sobre o que vai tratar: começamos numa vizinhança mexicana
próspera e bucólica, de casas ricas e vistosas, que claramente faz referência
a todo um imaginário dos suburbs americanos dos filmes e séries de TV (ainda
que em tom menos expressionista, o Edward Mãos de Tesoura de Tim Burton
não está longe). Em seguida, com a ajuda de um movimento de grua, fica claro o
assunto de Plá: desvendamos que esta área está cercada por altos muros, com cercas
eletrificadas de arame no alto, e que logo ali, há metros desta parede fortificada,
temos uma típica periferia latino-americana semi-favelizada.
Se
é um começo exemplarmente claro como exposição temática, ele é também bastante
perigoso. Afinal, esta imagem (que já vimos tantas vezes na nossa realidade brasileira
– lembramos aqui, sem muita pesquisa, de algumas matérias na Carta Capital com
cenas parecidas no Morumbi paulistano) por si mesma, por mais eficaz que seja
como uma afirmação de princípios, não constrói um filme de longa-metragem. E ao
usá-la de maneira tão contundente, Rodrigo Plá se coloca numa posição bem delicada
de precisar fazer dela algo mais do que este decalque hiper-legível de uma condição
sócio-econômica. E,
de fato, não se pode dizer que os primeiros passos narrativos que o filme dá são
exatamente entusiasmantes: a cena que leva à invasão do “condomínio fechado” por
três homens da periferia cheios de más intenções é bastante truncada, nem tanto
pelo tremendo deus ex-machina inicial (a torre que desaba sobre o muro),
mas principalmente pela forma de filmar a interação inicial entre os três até
sua decisão de invadir. Como já antevemos plenamente, claro que as coisas dão
muito errado para eles, e o momento seguinte a este também claudica no drama:
os diálogos entre os condôminos proto-milicianos que atendem ao local do crime,
a chegada da polícia em cena seguindo a determinação do jogo corruptos-corruptores
com os boçais que lideram o condomínio, tudo parece absolutamente na cartilha
do que se espera da “denúncia de uma situação” que não causa grandes sentimentos
novos. Tudo isso culminando na cena da assembléia de condomínio no ginásio local,
com a decisão da maioria de lançar uma perseguição ao assaltante fugido, cheia
de diálogos banais e de almanaque. No entanto, quando parece
caminhar rumo a um desenlace “fácil”, o filme começa a nos surpreender, retoma
os planos iniciais que nos apresentaram o espaço do condomínio a partir de um
ponto de vista em primeira pessoa de um jovem. Filho de um casal de condôminos
que oscila bastante entre a determinação de seguir adiante com a perseguição ou
optar por um outro caminho, será a partir do olhar desse garoto, que vai se fortalecendo
como personagem enquanto o filme avança, que o filme consegue deixar um pouco
de lado seu desejo de “diagnóstico” quase distanciado e começa a sujar os pés
na lama que cerca a situação. Embora não deixe de lado algumas situações “fáceis”
(como o fato do ladrão perseguido ser quase uma criança, que foi parar na situação
um tanto por incômodo e não participou de maneira realmente ativa do assassinato
de uma moradora, que revolta os outros condôminos), Plá consegue turvar um pouco
as fronteiras entre certo e errado, dando conta de uma maneira mais interessante
do dilema real que existe por trás do clima de “denúncia” um tanto onipresente
(tanto assim que, ao final, negará uma virada plenamente positiva da parte deste
protagonista com quem devemos nos identificar). Mas,
onde o filme se realiza mais plenamente é mesmo na capacidade de capturar com
algumas imagens bastante fortes um determinado sentido do absurdo e da inevitabilidade
de certos processos vividos em nossos países “cindidos”. Se são momentos que se
pode dizer que possuem seu grande ponto de atração em algo que está fora da tela
(a realidade latino-americana), ainda assim é apenas por causa da maneira que
Plá filma algumas situações que elas conseguem ainda nos causar impressão. É inegável
que há na cena do linchamento ou na imagem dos corpos no caminhão de lixo (potente
ao ponto de não precisar de maior exploração explícita) uma pungência inegável,
que vai além do mero simplismo ou da “sociologia filmada”. Se
há um personagem que resume tudo o que há de mais interessante no filme, este
é o delegado de polícia, que balança o tempo todo entre o fastio na relação estabelecida
com os membros daquela elite acostumada à desordem como modelo funcional e a quase
desumanização no trato com os que moram na periferia. Não é por acaso que nos
atice mais a curiosidade este personagem que, em última instância, faz o meio
de campo entre dois extremos que, por si sós, estão sempre num estado de quase
caricaturas de si mesmos. Talvez por isso cause tanto desconforto o momento em
que ele acaba espancando uma mãe indefesa, logo depois de o filme construir uma
identificação do espectador com o personagem. Nestes momentos que consegue ainda
nos pegar de surpresa balançando frente a estas imagens que tanto povoam nossos
olhos, Zona do Crime atinge o seu objetivo. Maio
de 2008 editoria@revistacinetica.com.br
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