Deite Comigo (Lie With Me),
de Clement Virgo (Canadá, 2006)
por Eduardo Valente

O mundo no corpo

Desde o primeiro plano, Clement Virgo não deixa a menor dúvida: tudo no seu filme e na sua protagonista gira em torno da pulsão sexual, ferramenta de mediação na relação dela com o mundo. A opção por este pressuposto já diferencia o filme da maioria das narrativas “românticas” que o cinema costuma urdir, onde o sexo surge quase sempre como sublimação, negação ou subtexto. O filme de Virgo dialoga mais com uma tendência algo recente de filmar cenas de sexo quase explícito (onde até o sempre tabu pênis ereto surge em cena pelo menos duas vezes), assumindo a expressão sexual como central no estabelecimento das relações humanas.

É curioso que este filme canadense estréie no Brasil quase ao mesmo tempo que Os Anjos Exterminadores, pois ele explora diretamente aquilo em torno de que Brisseau estrutura sua reflexão: as possibilidades de filmar o prazer sexual feminino. No entanto, o que surge como problema para Brisseau é transferido da esfera do cineasta para a personagem no filme de Virgo: a questão do que fazer com seu prazer é justamente aquela que move a própria personagem, em cujos pensamentos e ações frente às relações amorosas se instaura uma certa frontalidade amoral bastante incomum. E para Virgo o desafio é menos o de encenar o sexo em sua relação com a verdade dos atores, e muito mais como conseguir capturar com a sua câmera sensações físicas como as pulsões sexuais ou o olfato.

Por mais que não estabeleça frente ao que filma uma relação de causalidade e/ou trauma, como tantos dos filmes relacionados com sexo, é inegável que Virgo se sai melhor enquanto filme a superfície dos corpos (especialmente na primeira meia hora) do que quando vai para as palavras ou conexões familiares (as cenas com o pai da protagonista soam especialmente mal). Leila, a protagonista, narra o filme para nós num off que, por mais que nunca caia na explicação (ficando mais no campo da dúvida), e assim mantenha um certo charme de “confissões roubadas”, beira o cafona em vários momentos. Parece especialmente fraco o personagem do interesse amoroso (ou melhor, sexual) de Leila, que sempre parece menos interessante como personagem do que como figura cinematográfica distante.

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