Pequena Miss Sunshine (Little Miss
Sunshine),
de Jonathan Dayton e Valerie Faris
(EUA, 2006)
por Francis Vogner dos Reis
Sonho de segunda mão, by Sundance
Quando indagado sobre o futuro do cinema americano
na época áurea do Sundance Film Festival (primeira metade da década
de 90), o diretor do festival, Robert Redford, dizia que a tendência
do cinema em alguns anos seria a de abordar de maneira mais profunda
as “relações humanas”. Nessa época o festival era uma novidade
que revelava alguns nomes promissores do cinema independente americano
e havia uma clara fissura entre Hollywood e os independentes,
já que estes últimos acusavam a indústria de ser voltada quase
em sua totalidade para filmes infanto-juvenis de grande orçamento.
De lá pra cá muita coisa aconteceu, Hollywood não mudou tanto,
apesar de ter cooptado certas características e diretores do cinema
independente, mas a profecia do diretor de Gente como a Gente
se realizou, mesmo que não tenha se tornado uma regra geral: um
cinema voltado às relações humanas. No entanto, para cada Wes
Anderson temos dez Alexander Payne.
Pequena Miss Sunshine faz parte desse grupo
mais numeroso (e menos estimulante) e se enquadra plenamente
nessa tendência. A opção da dupla de diretores Jonathan Dayton
e Valerie Faris por um realismo cínico e desglamourizado compõe
um olhar desencantado bem ao gosto do painel suburbano de “relações
humanas” que tentam construir. O filme conta a história de Olive,
uma garota de sete anos que sonha em participar de um concurso
de beleza infantil, e de sua jornada junto à família a bordo de
uma velha Kombi em direção ao concurso Pequena Miss Sunshine,
na Califórnia.
Isso
é o princípio de um desfile da tipologia do white trash
americano de que vários filmes “by Sundance” tanto gostam. Os
primeiros minutos já dizem a que o filme veio, porque são tão
definidores de seu projeto estético-dramático: ah! as pessoas,
e as vicissitudes de suas relações em uma sociedade de exigências
fúteis. Depois disso, até o seu fim, não teremos sequer um achado
dramático ou estético ao menos interessante. Temos a protagonista,
a garota Olive, gordinha, desajeitada e com um par de óculos enormes,
que assiste deslumbrada ao concurso de Miss América; o irmão adolescente
que faz exercícios físicos, lê muito e é explicitamente um sujeito
aborrecido; o avô (Alan Arkin) que cheira cocaína; o pai da família
(Gregg Kinnear) que leciona seu fracassado programa de auto-ajuda;
a mãe (Toni Colette) que vai ao hospital buscar o irmão suicida
(Steve Carell).
Essa abertura tem o propósito de nos apresentar
os personagens e seu universo – e é justamente isso que faz, mas
também é o prenúncio de que essas questões os encerram: os personagens
nunca fugirão dessa apresentação, dessas definições de suas personalidades,
desse diagnóstico sem exame das patologias e dos baixos valores
do cidadão médio americano. De modo geral, a suprema demagogia
do filme enquanto discurso cinematográfico é ter uma distância
segura (ou de isenção, o que é imperdoável) dos personagens para
poder criticar suas ações como reflexo no que tem de pior na cultura
contemporânea. Ao mesmo tempo que ensaia uma empatia com os personagens,
não consegue deixar de vê-los como nulidades absolutas, do quixotesco
intelectual especialista em Proust (gay e suicida, claro),
passando pelo garoto que tem seu ressentimento legitimado por
suas leituras de Nietzsche (!?), à garotinha que sonha com o estrelato
por meio da beleza, mas só consegue ser um resumo do grotesco
de sua família e de seus valores de subúrbio. O resultado de toda
essa soma é simples: não há espaço para o original e para o belo,
só para o artificial e cafona, o “sonho” e o “desejo” são artigos
de segunda mão. Eis a conclusão – e também o resultado estético
– de Pequena Miss Sunshine.
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