London River – Destinos Cruzados (London River),
de Rachid Bouchareb (Reino Unido/França/Argélia, 2009)
por Paulo Santos Lima
Imagens
da crueldade
O eixo dramático de London River - Destinos Cruzados,
bastante primário e recorrente, é o encontro entre
“diferentes” numa dura experiência compartilhada. Sendo um filme
de Rachid Bouchareb, é certo que não haverá necessariamente uma
transformação, mas sim uma reiteração sobre as diferenças, sobre
o abismo intransponível. O convívio relâmpago entre a inglesa
cristã e o africano muçulmano é contado por imagens bastante comedidas,
essas da estética da causa justa, aproximando-se pelos pequenos
eventos e respiros, mas mascarando um discurso torpe que, em vez
das nuances individuais, prefere a mera representação “a serviço
de”.
Temos
Elisabeth Sommers, a inglesa enviuvada pela Guerra das Malvinas,
cristã que cuida de uma fazenda na costa do Canal da Mancha. Ousmane
é o argelino imigrado na França que é guarda florestal em
Paris. Ambos esbarram-se quando procuram seus
filhos, desaparecidos no dia do ataque terrorista ao metrô londrino,
em 2005. O filme apresentará a personagem como uma conservadora
e dura mulher, reticente à presença imigrante no bairro onde a
filha mora, em
Londres. Ousmane, por outro lado, será de uma
humanidade exemplar, educado, generoso, elevado – mesmo quando
Elisabeth acredita que ele deu sumiço na filha, chama a polícia
e se mantém longe dela como um cão sarnento. O desenrolar dramático
do filme, com a descoberta de que os filhos eram namorados, apresentará
uma sra. Sommers abrindo-se à evolução, a perceber e até se desculpar
ao digníssimo homem. Estamos no universo das novelas, com reducionismos
cruéis tanto à inglesa thatcheriana quanto ao bom africano.
Se o filme é bastante feliz em alguns momentos mortos, de captura
de detalhes, ao mesmo tempo parece que toda cena tem de trazer
um significado, uma adição informativa. Sra. Sommers conversando
com o cunhado ao telefone ou vendo foto da filha e namorado, ela
encontrando um instrumento musical “primitivo” no apartamento
da filhinha, que depois saberemos ser do filho de Ousmane.
Bouchareb
já havia apresentado outra boa causa ao contar a história real
dos soldados das colônias na África que lutaram ao lado dos franceses
na 2ª Guerra Mundial, jamais com o devido reconhecimento, em Dias
de Glória. Os personagens, em ambos os casos, são ilustrações,
jamais seres. O problema amplifica-se em
London River porque, na opção pelo registro
baixo dos rarefeitos acontecimentos, não se sabe direito em que
lado está o filme – o que não significa que seja complexo. Há
dois lados acentuadamente marcados em seus papéis e, graças a
isso, tanto a “benevolência” aplicada ao africano quanto a aspereza
destinada à mulher criam um jogo entre certo e errado, entre bem
e mal e, pior, entre o injustiçado e o algoz. Onde e com quem
o filme está, afinal? Porque se ele coloca-se simpático a Ousmane,
é com Elisabeth que ele passará a maior parte do tempo, assistindo-a
em seus afazeres domésticos, seguindo-a na determinação de encontrar
a filha em meio ao distanciamento das autoridades londrinas. O
colonizado é bom, mas está do lado de lá, do outro flanco que
não o da colonizadora?
Assim,
se a própria estrutura do filme reforça a distinção entre os dois
mundos, não o faz de forma crítica, e sim mesquinha e traidora
à estrutura narrativa. O reconhecimento de Elisabeth, quando abraça
Ousmane após o mesmo cantar um hino tribal in memoriam
aos filhos, não representa uma aceitação. Esse momento de encontro
e entrosamento físico, todo carregado de códigos sobre a fraternidade
humana, precede o desfecho do longa, o que é bastante atroz. Homem
e mulher devolvidos aos seus afazeres cotidianos, em Paris e Canal
da Mancha. E (re)agindo de modo distinto – Ousmane dá-se uma brecha
e, em luto, delega ao colega de parque que cuide da árvore doente;
já a inglesa ara a terra ferozmente, irada, inconformada, desesperada
e fazendo do seu luto um momento de consolidação do trabalho.
Dois planos curtos, sem muito blablablá mas carregado de sentidos.
E, mais estranho, é com Elisabeth Sommers que London River
apresenta sua última imagem. Bastante irresponsável com seus personagens
– e com seu discurso, portanto – Bouchareb levanta a flâmula da
causa justa sem mostrar a justa causa para suas imagens.
Setembro de 2010
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