Lope (idem),
de Andrucha Waddington (Espanha/Brasil, 2010)
por Paulo Santos Lima
Poesia
largada
Em Lope, obra financiada pela Espanha e
Brasil, Andrucha Waddington conta determinada passagem da vida
de uma personalidade histórica e das artes, o poeta e dramaturgo
espanhol Félix Lope de Vega. De pronto, é bom mencionar a experiência
de Vicente Amorim com Um Homem Bom, produção anglo-germânica
que tratava do nazismo. Nela, Amorim reproduzia os dramas de um
homem comum que se torna alguém; aqui, Andrucha mira a atenção
sobre o que faz esse artista ser alguém. Ambos tratam de assuntos
“grandes”, “importantes”. A menção ao filme de Amorim se justifica
por ficar patente, em muitos casos mundo afora, uma certa tendência
em se adotar uma determinada forma bastante convencionada – convencionada,
e não convencional –, e nisso o diretor brasileiro não foi diferente.
No caso de nossos cineastas filmando além do horizonte nacional,
isso se torna um caminho fácil para uma inserção – e não é uma
suposição: quem diz isso são as imagens que eles constroem. Do
convencional para o convencionado, esgarçado, cafona, carregado.
Olivier Assayas, por exemplo,
com seu Os Destinos Sentimentais, pode orientar o que faz
Lope ir ao tropeção. Ali, o diretor contava a saga de uma família, inclusive
adotando uma dramaturgia bastante clássica, reproduzida daqueles
modelos usuais nos dramas sobre famílias no correr dos anos, como
as longas histórias de seriados televisivos e cinematográficos
típicos de uma determinada superprodução e, sobremaneira, uma
literatura pós-século 19, entre Fitzgerald e os romances ordinários
de bolso. Mas ele insere, ao longo da história, elipses temporais
formidáveis, roubando-nos o desfecho do clímax, estancando as imersões profundas do espectador para, ainda assim, mantê-lo
devidamente envolvido no correr da trama. Mas Andrucha erra feio
na dramaturgia, esse nome considerado palavrão para um cinema
“de arte”, “autoral”, como o da tradição brasileira. O protagonista
de Lope, audaz, galanteador, intenso, criativo e talentoso
– como o filme quer nos mostrar desde o início – tem nesses atributos
algo que se volta para a trama, e não para si próprio.
E trama, afinal, não é propriamente algo que Andrucha tenha grande
domínio – basta lembrarmos como, a partir de idéias francamente
boas, Eu Tu Eles e Casa de Areia voam a alturas
um bocado baixas. Através
de Lope, surgem algumas questões sobre critérios. Pois
qual seria a forma adequada para se filmar a história de
Lope de Vega? Difícil
decretar; fácil perceber o que desanda. Por decretos, é comum
encontrar posicionamentos ríspidos ao clássico, por exemplo. Fatalmente,
e sob uma régua apoiada no que ficou entendido como modernidade
cinematográfica nos anos 60, o clássico é confundido com o convencional.
Esquece-se, com isso, do entrelaçamento, de como o clássico incorporou
o moderno. O convencional, em princípio, não seria um problema.
Lope, então, não é fraco por seguir certos padrões de gênero,
mas sim por reproduzir (repetir) uma má utilização do padrão.
Por
isso, a grande questão de Lope talvez nem seja propriamente
como Andrucha Waddington foi à convenção para contar sua história.
Num contexto em que, por exemplo, uma bem decupadíssima
sequência (a do helicóptero) de Tropa de Elite 2 deve o seu êxito ao grande auxílio técnico dos
mais experientes norte-americanos, “qualidade” não é mais uma
relevância. O fato é que a “qualidade”, em Lope, não eximiu
o mau olho de Andrucha em inserir seu personagem histórico num
contexto estilístico de romance barato, de literatura ordinária,
vagabunda, inacreditavelmente abaixo do pior Irving Wallace ou
Sidney Sheldon. Claro que a fotografia e a montagem dinâmica,
que não deixa reter nada, tentam camuflar a miséria de espírito
do filme. Tenta. E, a quem se engambelar pelas proezas do poeta
Lope, ao final há uma imagem de um casal apaixonado seguindo em
frente para o "eternamente juntos", em cavalos a galope,
em bela paisagem que poderia estar na capa dum dos tais livros
vagabundos. Do clássico à realização, do que há para ser bem feito
ao que foi feito. Poema quebrado.
Outubro de 2010
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