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Maldito Coração (The Heart is Deceitful Above All Things),
de Asia Argento (EUA, 2004)
por Diego Assunção

É todo coração

O coração é enganoso acima de todas as outras coisas, nos diz o título original do filme. É uma frase que permanece em nossa cabeça ao término de Maldito Coração: o coração é enganoso e ainda assim continuamos nos guiando por ele, pois é muito difícil responder a esse filme racionalmente. O filme é repleto de momentos grotescos, mas o grotesco aqui é filmado com tamanha afeição, proximidade, que não resta alternativa senão nos rendermos as imagens pouco usuais oferecidas por Asia Argento nessa sua nova investida na direção.

A história gira em torno de Jeremiah, garoto de sete anos que viveu como filho adotivo em uma típica família sadia norte-americana, que retorna aos braços de sua mãe, a jovem Sarah. O filme é abordado por Asia Argento (que também faz o papel de Sarah) como um filme de estrada, mas sendo Sarah uma mãe pouco comum, uma jovem transgressora que vive de aventuras pouco indicadas para crianças, a descida do garoto Jeremiah ao underground não nos remeterá a nenhum filme na linha de um Conta Comigo: Jeremiah é imerso no mundo de sua mãe, mundo de drogas e prostituição.

Quando sua mãe o deixa, para se aventurar em romances com figuras tão marginais quanto ela, Jeremiah tem a oportunidade de se instalar no ambiente estável da casa de seu avô, um fervoroso religioso, mas Jeremiah não parece ver diferenças entre a vida errante de sua mãe e os abusos cometidos em nome de dogmas religiosos pelo seu avô. Basta Sarah retornar, após ser chutada pelo último “ex-padrasto” de Jeremiah, para que o garoto siga seu coração enganoso (ou maldito) e volte à estrada com sua mãe.

Asia Argento não tenta fazer com esse filme as escolhas mais fáceis. Ela parece ter buscado inspiração no cinema de seu pai, o cineasta de horror italiano Dario Argento, para dar o tom de seu filme, encontrando em Phenomena (parábola adolescente no qual uma jovem se descobre através do contato com insetos) o exemplar ideal. A cena na qual Sarah veste Jeremiah de mulher é um aceno ao momento do filme de Dario no qual a jovem Jennifer Corvino recebe o afago de milhares de insetos após ser enxotada por meninas que vivem no mesmo internato que ela. Descritas, podem até parecer desagradáveis, mas vistas são momentos onde podemos contemplar a beleza que existe onde geralmente não veríamos: no filme de Asia nos deparamos com um raro momento onde Sarah e Jeremiah trocam carícias, a demonstração de afeição que um tem pelo outro; já no filme de Dario é o momento em que a personagem encontra o aconchego na natureza, nos insetos, após ser desprezada pelos humanos.

Estaria Asia fazendo o Phenomena de nossa década? Sai Donald Pleasence e entram figuras como Marilyn Manson no papel de “tutores”, saem as sinfonias em metal de Motorhead e Iron Maiden para a entrada das distorções do som de Sonic Youth na trilha sonora, longos planos seqüências que nos fazia adentrar no mundo de Jennifer Corvino dão lugar a planos rápidos. Os planos, confusos (os cortes são urgentes e os planos-seqüencia surgem sempre improváveis e desnorteantes), podem até dar a impressão de que Asia Argento conduz seu filme com desleixo, mas é evidente que todos esses recursos foram intencionais e nos inserem no desnorteamento do garoto Jeremiah. Toda essa entrega não nos deixa alternativas, além de seguir nossos enganosos corações e nos jogar nesse filme incomum.

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