plantão do YouTube Mamães
e putas por Diego Assunção
La maman et la putain, de Jean Eustache (França,
1973) Beija-Me, Idiota (Kiss Me, Stupid), de Billy Wilder (EUA,
1964) Dois
filmes aparentemente distintos que se relacionam formidavelmente. Não tão distantes,
pois são obras preocupadas com a questão da tênue linha que separa a representação
da mulher enquanto mãe e puta. Mas para além das mães e putas, esses dois filmes
são sobre personagens que encenam situações que, por serem levadas ao extremo,
se tornam manifestações da realidade. A única possível, a realidade do cinema.
Jean-Pierre
Leaud ora incorpora Antoine Doinel, ora o estudante maoísta de A Chinesa.
Seu personagem em La maman et la putain, Alexander, utiliza-se de gestos
do cinema para arrumar a cama e filosofar sobre a vida. A questão abordada pelo
filme de Jean Eustache é primordialmente como um bom imitador de Jean-Paul Belmondo
é capaz de ser mais verdadeiro do que o próprio Belmondo, por não ter a qualidade
da mitificação.
La maman et
la putain é a imitação de um plano de Murnau, é a imitação de um movimento
de Godard, de um flerte de Truffaut, enfim, o que Eustache extrai disso tudo é
nada menos do que o encadeamento de clichês assombrados que se desnudam de qualquer
mitificação. Resultam num cinema duro, e puro.
Beija-me, Idiota tem Dean Martin imitando
sua própria persona. Dino é a caricatura de Dean Martin (o famoso mulherengo e
esbanjador) que, de tanto imitar a si próprio, perdeu sua essência. Tornando-se
menor do que seus imitadores, virou um clichê. Já o ciumento compositor fracassado,
feito por Ray Walston, vive a criar músicas que nada mais são que imitações das
canções macarrônicas de Dino. Ao receber o artista em sua casa e encenar um triângulo
amoroso com uma prostituta (Kim Novak), que não é sua esposa, Walston consegue
tirar dessa situação cômica, e de suas imitações, a verdade de sua vida.
A
encenação é tão forte que a prostituta passa a crer ser mesmo esposa de Walston.
E Walston, que a usou para dar um golpe em Martin (ceder a esposa, que na verdade
não era a sua, para conseguir lhe vender algumas músicas), acaba tendo um de seus
ataques de ciúmes e expulsa Dino para recuperar sua esposa, a prostituta. O filme
de Billy Wilder é a vulgarização do que havia feito até então. Em Beija-me,
Idiota, o cineasta não mais parece preocupado com as viradas geniais de seu
roteiro, pois sua câmera, o uso do cinemascope, se instala na pequena casa de
Ray Walston para dali tirar dessa vulgarização, imitação, uma autenticidade.
Autenticidade
colocada à prova nos dois filmes, em momentos de transe, náusea, dos personagens
que levam a uma revelação:
Em
La maman et la putain, ouvindo uma música de Edith Piaf, Françoise Lebrun
chora, revelando que, por trás dos jogos amorosos, realmente ama Leaud, enquanto
o rapaz entra num transe demencial.
Em
Beija-me, Idiota, Kim Novak se derrete por Walston (contrariando todas
as expectativas de que se agarraria ao boa-pinta Dino) quando ele toca a canção
que escreveu pra sua esposa, enquanto o marido, tão demente quanto Leaud, só pensa
em entregar sua falsa esposa para Dino.
As proximidades entre
o filme de Wilder e Eustache estão na superfície e no ponto de partida dos filmes.
Porém elas vão além, pois são inter-relações alquímicas, daquelas que uma cena
do La maman et la putain poderia se fundir à uma outra do Beija-me,
Idiota ou um gesto de Leaud parece refletir outro de Walston.