in loco - cobertura dos festivais
O Homem de Londres (A Londoni Férfi), de
Béla Tarr (Hungria/França/Alemanha, 2007) por Eduardo
Valente O
mundo de um autor de cinema
O húngaro Béla Tarr é
hoje mais conhecido hoje em alguns círculos como fonte de inspiração para
a trilogia de Gus Van Sant (Gerry, Elefante e Last Days),
do que pela sua própria obra (embora o épico de sete horas Satantango tenha
causado muita impressão em São Paulo, quando exibido na Mostra). No entanto, ele
é dono de um universo pessoal cinematográfico absolumanete marcante.
Seu novo filme foi filmado (ao longo de quatro anos, numa produção
conturbada pela morte do produtor) na Espanha, falado em húngaro, baseado na obra
do francês Georges Simenon, e tem como protagonistas um ator tcheco e uma inglesa
(Tilda Swinton) – só que na verdade ele se passa num só lugar: o mundo de Béla
Tarr.
Tarr é um daqueles cineastas com uma aproximação tão particular
com o cinema, que é impossível não reconhecer o seu mundo ao ver um plano qualquer
do filme (embora seja verdade que vários dos seus planos têm mais de seis, sete
minutos). E este mundo de Tarr (um mundo sempre em preto-e-branco, com movimentos
de câmera laterais e verticais constantes, atores que trabalham num registro tons
acima – ou abaixo – do natural e com um som todo particular, com cada ruído refeito
em pós-produção – inclusive dublagem dos atores, e uma música repetitiva que impõe
um tom) é, ao mesmo tempo, a grande força e a armadilha do filme.
Força
porque, ao contrário de alguns cineastas (como Carlos Reygadas ou Andrei Zviaguintsev),
este mundo de um formalismo intenso não nos parece imposto pelo diretor aos seus
personagens por força de influências cinematográficas externas, mas sim algo que
nasce com e a partir de Tarr: um mundo único e todo dele, que preexiste e ultrapassa
os personagens, mas onde eles habitam com naturalidade. No entanto, este mundo,
que é de uma beleza hipnótica extrema, parece um tanto sufocado e sufocante neste
O Homem de Londres, em parte pela sua origem literária (que impõe uma trama
bastante distinguível e que é essencial para o filme), e em parte por esta sua
“desterritorialidade”.
Isso porque, nos filmes anteriores de Tarr (como
Damnation, Satantango e Werckmeister Harmonies), a hipnose
criada era muito menos conectada ao ato de seguir o desenrolar de uma determinada
narrativa (embora houvesse sim uma trama, esgarçada), parecendo intrinsecamente
ligada ao mundo quase rural das pequenas cidades da Hungria que Tarr filmava.
Aqui nesta estranha opção pela desterritorialização,
Tarr mantém a força de momentos específicos (em especial,
a abertura, as cenas no bar e o confronto final na cabana), mas também
acaba perdendo a atenção do espectador para seus personagens - que
têm enorme força pela ficção de Simenon. Ainda assim,
que seja apenas nas partes e menos no todo, O Homem de Londres e o cinema
de Béla Tarr conseguem alguns momentos dos mais poderosos.
Maio
- Outubro de 2007 editoria@revistacinetica.com.br
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