in loco - cobertura dos festivais

Marimbas do Inferno (Marimbas del Infierno),
de Julio Hernandez Cordón (Guatemala/França/Holanda, 2010)

por Eduardo Valente

Notícias da Guatemala

O primeiro longa de Julio Hernandez Cordón, Gasolina, exibido no Brasil em festivais do ano passado, traçava um duro retrato de uma juventude rica e alienada na pouco conhecida Guatemala, onde a violência surgia como questão onipresente e sempre à espreita. Neste sentido (mas não só, como veremos adiante) Marimbas do Inferno parece um resultado direto do filme anterior, algo que seu letreiro final (que cita o “meu país”) de alguma forma corrobora. Aparentemente, a Guatemala e sua realidade macro se impõe como tema a um cineasta jovem que tente se expressar a partir dali, como acontece em tantos dos cinemas de terceiro mundo – particularmente os latinos.

O filme começa com um depoimento direto para a câmera de um homem que conta como toda normalidade de sua vida foi destruída por um processo completamente aleatório de extorsão. Hoje, ele só tem uma poltrona, onde dorme, uma mesa e sua marimba – instrumento musical que toca e a partir do qual exerce um trabalho, e último depositório de sua identidade. Um crédito nos informa então que aquele homem havia trabalhado como ator (Cordón trabalha bastante com não-atores) em Gasolina, mas acabou pedindo que fosse retirada sua participação por conta da extorsão. Depois deste crédito e introdução, Cordón constrói uma narrativa a partir do personagem deste Don Vicente, em formato que faz pensar bastante no recente filme brasileiro Avenida Brasília Formosa: o cruzamento de personagens que circulam por espaços semelhantes, numa chave ficcional que retira bastante da realidade destes, através de uma fotografia que os enquadra em composições bastante estudadas e cuidadas.

Em seu trajeto, se unirão a Don Vicente outros dois improváveis “marginais” (não no sentido de foras da lei – embora um deles aparentemente esteja foragido da justiça – mas exatamente no de pessoas que vivem, por motivos diferentes, à margem). O que une os três, não por acaso, é o desejo de formar uma banda de música, algo que encaram eminentemente como um caminho prático em suas vidas (para Don Vicente, uma necessidade, já que é demitido), mas que também representa, como podemos inferir de pequenos momentos, a realização de sonhos e aspirações pessoais. De fato, é esta a grande motivação de Cordón em filmar os três personagens, como o citado letreiro final deixa bem claro: comprovar que é possível ainda, no seu país, sonhar sonhos impossíveis através da arte – algo em que certamente ele encontra um paralelo com sua própria prática cinematográfica, sem que isso precise ser dito. Trata-se, nesse sentido, de um filme claramente muito pessoal, o que certamente ajudar a emprestar a pungência que emana de algumas cenas (eminentemente as que mostram os personagens tocando seus instrumentos ou simplesmente conversando), e que o eleva acima da média de uma certa produção latina ficcional.

Outubro de 2010

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