in loco - cobertura dos festivais
Mataram a Irmã Dorothy (They Killed
Sister Dorothy), de Daniel Junge (EUA,
2008) por Ronaldo Passarinho Documentário
sem compromisso
Programas sensacionalistas como Linha
Direta reproduzem com riqueza de detalhes os eventos sórdidos que supostamente
denunciam, mas assinalam com clareza quando reconstituem esses eventos.
Já no último terço de Mataram a Irmã Dorothy, ao mostrar o julgamento
de Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida (um dos dois fazendeiros acusados como mandantes
do assassinato no Pará da missionária Dorothy Stang, em 2005), Daniel Junge não
usa atores para reencenar o julgamento, e sim uma arma muito mais poderosa (e
sub-reptícia): a montagem. A bolsa que a irmã Dorothy usava quando foi assassinada
é apresentada no julgamento como evidência e temos planos de reação da audiência
em lágrimas. Os advogados de defesa elaboram teses absurdas para defender o acusado
e os planos de reação nos mostram o ultraje da audiência. Mas
são realmente planos de reação? Quando o promotor acusa o réu, há um momento em
que o acusado, com uma expressão ainda mais maligna que o habitual, leva a mão
ao rosto em um plano próximo e prossegue o movimento em um plano de conjunto,
com o promotor em quadro. Mas a impressão é a de um raccord criado na ilha
de edição, de uma costura ilusória de dois momentos diferentes em que o réu fez
o mesmo movimento. Um procedimento editorial que destrói a confiança do espectador
na veracidade de todos os outros planos de reação. Fica
a dúvida: estamos no território de Michael Moore? Só que o grande problema de
Mataram a Irmã Dorothy é não assumir até o limite sua atitude panfletária,
como faz o citado Moore. O filme até levanta a questão de que Dorothy talvez não
fosse o descomplicado “Anjo da Amazônia” que parecia ser, mas não sabe o que fazer
com essa revelação. A única desculpa para se dirigir um documentário panfletário
é ter convicção na veracidade do panfleto: o compromisso, nesse caso, é com a
convicção do que se crê como verdade. Justiça seja feita, Mataram a Irmã Dorothy
nunca finge ser um documentário imparcial, descompromissado, mas acaba sendo um
filme sem compromisso. Sem compromisso com o que quer que se entenda por verdade. Setembro
de 2008editoria@revistacinetica.com.br
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