in loco - cobertura dos festivais
Meninos de Kichute,
de Luca Amberg (Brasil, 2010)
por Paulo Santos Lima
O
cinema sem chuteiras
Se sua encenação é precária, modesta demais, se
a dramaturgia lembra a das novelas infantis do SBT, o grande problema
de Meninos de Kichute está mais na abordagem, nas escolhas.
Embora deixe perceptível que Luca Amberg viu muita coisa, do conterrâneo
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias ao argentino Kamchatka,
dos programas infanto-juvenis da TV nacional às telenovelas globais
e até as leves histórias de gibi, as escolhas do diretor para
definir seus personagens, como filmá-los e qual texto eles devem
dizer faz Meninos de Kichute resultar numa daquelas direções
mais típicas da série de filmes da Xuxa ou os últimos (e dramaticamente
ruins) filmes do Didi. Assim como estes, Meninos de Kichute
parece ser o trabalho de pessoas que entendem infantil como
algo demeritório. Só que infantil não é limítrofe, ingênuo e acomodado.
Infantil é, tão somente, algo a ver com o universo das crianças,
daqueles que ainda não viraram adolescentes, os pequeninos e tal.
Meninos
de Kichute fala de Beto, menino de família operária, no sul do Brasil de 1975,
que sonha em ser jogador de futebol – mas seu pai é um moralista
hipócrita que reprime seu sonho, por julgar imoral entrar em competições.
O garoto se mostrará obstinado. Amberg opta por um passadismo
para, talvez, recriar os tempos quando “as crianças eram mais
puras, inocentes, brincavam e sonhavam”. O filme enxerga as crianças
como acríticas, destituídas de qualquer senso de irreverência.
Os realizadores devem ter cabulado a aula de Pinóquio,
de 1940, no qual a meninada entra num frenesi tremendo, fumando
charutos, bebendo e farreando com agudeza mais afiada que a dos
adultos. Um desenho dos anos 40 diz mais sobre a natureza humana
que um filme realizado nos anos 2000 por um cineasta que teve
acesso a décadas de cinema (e história do século 20) para fazer
melhor seu filme.
Escolhas.
Amberg passar ao largo
do regime militar não é um problema. Mas escolher como primeira
imagem crianças cantando o hino numa sala de aula resulta em falta
de senso. Escolher mostrar a amante do pai seminua, ou terminar
o filme com um plano que mostra a partida dos personagens, é igualmente
estranho. Não é o assunto, em si, mas como ele é abordado, por
qual ângulo o cineasta o trespassa. O mundo oferece vários objetos
com os quais um artista pode se expressar sobre e para esse mundo.
O kichute, esse belo tênis-chuteira que marcou um momento, menos
por identificar as crianças e mais por ilustrar o que essas faziam,
como estavam no mundo, é um dado de passagem no filme. O filme
nem tem a capacidade de mostrá-los afinadamente. Um pressuposto
para uma boa obra de cinema é saber mostrar ou omitir algo, jamais
deixar de mostrar ou de omitir. Meninos de Kichute
é isso.
Novembro de 2010
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